O céu sem nuvens
O cheiro de queimada tomava conta da cidade. A fuligem cobria os carros estacionados. O céu adquiria tonalidade acizentada, o azul já não imperava mais sobre a cabeça dos poucos sobreviventes. A poeira entrava por todas as frestas, até as inimagináveis e tomava conta da vida das pessoas. O sol arrebatava aqueles que se aventuravam pelos campos abertos, não havia sombra para se esconder. A paisagem era desoladora.
Quem vivera os primeiros dias da seca, não conseguia compreender bem como chegou-se aquele ponto. No começo, era tudo muito belo, as manhãs tinham temperatura amena, os agasalhos finalmente saíam dos armários após um longo período no exílio, as noites eram agradáveis e regadas a vinho, a estiagem deixava que a vida pulsasse nos parques e tudo transcorria muito bem.
O tempo passava e a lua-de-mel chegava ao fim. A grama secava junto com os pulmões dos residentes da ilha, o calor invadia as casas e não deixava ninguém dormir, a falta de chuva minava a saúde das crianças pequenas, até os fisicamente mais fortes sentiam que estavam muito desgastados. O sol castigava de uma forma inacreditável, era tudo muito claro, a pele das pessoas começava a ganhar manchas cancerígenas, os olhos sofriam muito e a enxaqueca invadia a vida dos mais sensíveis à luz.
Era difícil acreditar que aqueles dias com manhãs gloriosas tinham se transformado em algo inóspito. A luta pela sobrevivência era diária e muito árdua, pois o sol parecia queimar aqueles que se aventuravam nos ambientes externos para buscar mantimentos. As pessoas mais velhas faziam novenas pedindo para que algum deus mandasse chuva, qualquer quantidade de água que viesse do céu seria motivo para comemorar.
A seca que acometia aquela região parecia um relacionamento que começa muito bem, mas que as pessoas envolvidas quase não sobrevivem ao final, o desgaste era imenso. Quando, finalmente, caíam as primeiras gotas de água vindas de uma nuvem que não era feita de fumaça dos campos devastados, a população conseguia respirar aliviada, a chuva vinha para lavar tudo de ruim que a estiagem deixou para trás. A vida ressurgia com os pingos que viam dos céus. A esperança era resgatada após cada trovão que estremecia as janelas. Finalmente!
A poeira era lavada das ruas, mas a certeza de que ela voltaria no próximo ano permanecia, mas sem mágoas, pois ela era necessária para deixar as pessoas mais fortes. Assim como as paixões, ela era temida, mas aguardada ansiosamente, sem ela a vida era vazia. E quem gosta de viver vazio?