O que é seu

A dor é a única coisa que é realmente sua. As cicatrizes do coração destroçado pertencem somente a você e a mais ninguém. A dor adormece com o passar dos dias, transforma-se em uma casca mais grossa do que a pele intacta que vinha antes dela, mas ainda existe e é o que você tem, sua única certeza de posse. Você vai colecionar várias ao longo da vida. Algumas dessas feridas cicatrizarão mal, outras permanecerão abertas e se você não cuidar, podem matar sem piedade.

As alegrias estão soltas, elas são do mundo. São pequenas fadas que chegam, iluminam tudo, te enchem de esperanças de que a vida pode ser boa e, depois de um tempo hospedadas no seu mundo, vão embora sem aviso prévio, justo quando você já tinha se acostumado a elas. A dor não, a dor é apegada, fica junto a você, como um cachorro fidelíssimo, daquele tipo que deita aos pés do dono nas noites de inverno e de lá só sai se for enxotado, mesmo assim levanta-se preguiçosamente e segue o dono aonde ele for. Bom, esse é o caso da dor antiga, a dor domesticada, adestrada. Muitas das vezes, quando ela chega, é um cachorro selvagem que ataca as vítimas de forma violenta, impiedosa, devora as entranhas dos seres combalidos, permanece em volta da carcaça aberta e só vai embora quando resta mais nada para alimentá-lo.

A dor assume formas variadas, que é melhor nem enumerar, porque poderia passar a vida inteira falando dela. A única certeza é que ela é sua, só você vai entendê-la (ou não), mas vai vivê-la, por mais que tente fugir e ela vai te transformar para sempre.