Oh Cohen, my Cohen

Mariana Costa
historietas
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3 min readNov 11, 2016

Era um fim de tarde de uma semana qualquer. Fazia calor e o céu anunciava a tempestade que viria para lavar as ruas e a alma da cidade. Eu não tinha a menor ideia do que estava por vir. Ele tocou a campanhia do meu apartamento, veio sem avisar, não reclamei, pois queria vê-lo a qualquer custo. Trazia alguns discos embaixo do braço e um sorriso no rosto do tamanho da nossa paixão avassaladora. Era como se tivesse descoberto algo maravilhoso. Nos beijamos na porta como se fosse o primeiro beijo de toda a existência da humanidade.

O céu desabou assim que nossos corpos se separaram. Ele entrou e tomou conta da minha casa e da minha vida naquele momento. Colocou os discos em cima da mesa e começou a falar sobre filosofia e o valor da música e o alívio que ela trazia para os nossos piores dias, além da alegria que carregava nos momentos felizes. Eu admirava o entusiasmo daquele rapaz de olhos intensamente vivos e cheios de esperança. A música nos unia mais do que qualquer outra coisa. Fui pegar uma bebida enquanto ele colocava um disco na vitrola. Me falou que iria logo para a primeira música do lado B daquele vinil, pois fora ela que o levou até mim naquela tarde em que qualquer ser racional teria medo de sair de casa por causa das nuvens negras que tomavam o céu.

Colocou a agulha sobre o disco, entreguei a taça de vinho para ele, nos olhamos enquanto os primeiros acordes soavam como uma oração na pequena sala de um apartamento de uma cidade perdida num mundo que não escolhemos, aquele lugar transformou-se imediatamente em um santuário a partir de então. Assim que entrou a voz carregada de sentimento, ele me abraçou e depois me olhou por muito tempo e cantou pra mim, enquanto nossas testas se tocavam. Ele passava as mãos pelo meu rosto e cabelos, era como se nossos corpos se fundissem naquele instante. Ele não iria embora, mas dizia “So long, Marianne” no meu ouvido e eu sentia tanto amor que não sabia fazer nada além de me deixar levar por aquela dança que ele me propôs e meus olhos eram lavados por tímidas lágrimas, os dele estavam marejados também, prestes a desaguar.

Acredito que aqueles tenham sido um dos seis minutos mais sublimes de todos os tempos, ficou como tatuagem em nossas vidas. No plano físico, era impossível ficar mais próximo do que aquilo que estávamos, mas em outro plano, ninguém saberia dizer onde começava um e terminava o outro. Era exatamente o que queríamos. Ao fim da canção, ele aproximou o rosto do meu mais uma vez, me deu um beijo cálido que durou a mais bela eternidade, nem vimos a chuva parar e a noite cair, não vimos nada além daquilo. Depois, enquanto nossos corpos nus se espalhavam pelo tapete, ele me falou sobre Leonard Cohen e Marianne, sobre a Grécia dos dois, sobre as músicas que ele fez pra ela, sobre a poesia que existe nas canções do canadense que nunca encontramos pessoalmente, mas que amávamos de forma irremediável. Nos identificávamos com a paixão deles, vai ver foi daquele jeito que se sentiram em algum momento do relacionamento. Vai ver…

E ele tocou mais outros discos, enquanto nos isolávamos do mundo, nada que se comparasse àquela primeira, mas tudo bem, estávamos felizes demais para reclamar de qualquer coisa ou para analisar a qualidade de outros artistas e canções. O céu se abriu e a noite era fresca e bela, aparentemente, éramos os únicos acordados no mundo todo. Era melhor pensar assim e assim foi.

O apartamento não existe mais, a cidade é outra, o nosso amor acabou, Cohen partiu, mas a música permanece e permanecerá conosco até o fim dos tempos. Ela continuará a soar naquela sala em algum lugar do passado pra sempre.

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Mariana Costa
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Jornalista, fotógrafa e finjo que escrevo nas horas vagas e nas ocupadas também