Os sons da memória afetiva

Mariana Costa
historietas
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3 min readJan 18, 2018

Hoje, indo para o trabalho, passei em frente ao Bar Brahma, que fica localizado no início da Asa Sul, e me lembrei do meu pai e de um plano que a gente fez há muitos anos. Costumo passar pelo mesmo lugar com certa frequência — porque tenho mania de fazer determinadas rotas para evitar alguns tipos de manobra no trânsito, afinal de contas, dirigir não é meu forte — , mas nunca tinha pensado nisso antes. É curioso como a nossa memória funciona e as relações que a gente faz em determinados momentos. Você pode passar por um lugar cinco vezes por semana, durante um ano inteiro e nunca fazer qualquer tipo de relação, mas num dia específico, sabe-se lá o motivo, você se lembra de uma história que não é ligada ao local, de fato, mas o nome te faz recordar de algo dito num passado distante.

No início da década passada — não me recordo o ano — , eu e meu pai vimos uma entrevista do Cauby Peixoto num programa de televisão e ele disse que cantava toda semana no Bar Brahma em São Paulo, estabelecimento tradicional que fica na Avenida São João. No momento em que estávamos em frente à TV tivemos o mesmo pensamento: "Quando a gente for pra São Paulo, precisamos ir ver o show do Cauby".

Acredito que a ligação mais forte que tenho com meu pai vem da música, lembro-me do toca-discos dele, da coleção de vinil que ficava no canto da sala com piso de taco de madeira, das músicas que saíam das caixas de som, as vozes que habitam memórias felizes da minha infância. Minha mãe conta que quando estava grávida, ele colocava música clássica para ela e, consequentemente, eu ouvirmos, tinha lido em algum lugar que a técnica tinha algum efeito positivo sobre o bebê, acredito que alguma coisa relacionada ao Q.I. Não importa muito o resultado disso, o que interessa é a relação que estabelecemos tendo a música como fio condutor. Queríamos muito ver a apresentação do Cauby num bar clássico de uma cidade que gostávamos de visitar.

Chegamos a ir pra São Paulo algumas vezes. Eu até morei lá por uns meses. Porém, não conseguimos ver Cauby de perto em nenhuma dessas oportunidades. O tempo passou, e o cantor de quem tanto gostávamos faleceu e nunca vamos poder cumprir a promessa de ir ao Bar Brahma para ver um show dele. Porém, nossa ligação continua a mesma, permanece nosso apreço por Maria Bethânia, Ângela Ro Ro, Gal Costa, Maysa, Elis Regina, Cartola, Paulinho da Viola, Caby Peixoto, Elza Soares, Noel Rosa, Chico Buarque, Belchior, Frank Sinatra, Nat King Cole, Beatles, Rolling Stones, Joe Cocker, Janis Joplin e tantos outros. Muitas vezes, ouço uma música e me lembro dele, é incrível como um som traz à tona memórias afetivas. Sou grata por ele ter me apresentado tanta coisa, me ensinado a amar música, a querer tocar violão e me inspirado a descobrir sons.

Música é algo que me move, que preenche meus dias, que me acompanha sempre e que deixa a vida um pouco mais leve. Graças ao meu pai, tenho esse refúgio em minha vida.

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Mariana Costa
historietas

Jornalista, fotógrafa e finjo que escrevo nas horas vagas e nas ocupadas também