Serial voyeur

Mariana Costa
historietas
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2 min readJan 7, 2018

Saía de casa no início da noite para dedicar-se ao hobby favorito: olhar janelas acesas, adentrar a vida de desconhecidos e imaginar histórias. Não se lembrava quando tinha começado a fazer aquilo, parecia que era intrínseco a ele, algo que fazia desde sempre, desde outras vidas. Era uma atividade que precisava ser praticada após o anoitecer, pois evitava que fosse visto, já que se escondia nas sombras e a escuridão que emoldurava as janelas acesas garantia certa dramaticidade às cenas testemunhadas.

As janelas que se acendiam eram como presentes abertos, inventava uma história para cada uma delas, a maioria só rendia pequenos contos — eram como as meias que ganhava das tias de Natal quando criança — , mas, por vezes, apareciam aquelas que lhe rendiam romances, essas que lhe davam motivo para sair de casa com certa frequência — eram semelhantes aos presentes pedidos por carta, os brinquedos mais caros e mais cobiçados.

Observar vidas alheias, especialmente desconhecidas, a uma distância segura era algo que garantia alívio no peso da própria existência, conseguia fugir dos problemas do cotidiano, esquecia das dívidas e das dores, dos amores perdidos, da destruição dos sonhos, da solidão aguda, transferia tudo para aquelas pessoas enquadradas pela escuridão da noite. Era a única coisa que o mantinha vivo, era o que lhe fazia levantar de manhã, suportar o dia até a hora em que o sol se punha no horizonte e ele se preparava para caçar as próximas vítimas. Sacrificava horas de sono para imaginar histórias de pessoas que não fechavam cortinas, de gente que se expunha por não imaginar que estavam sendo observadas, valia a pena o esforço em boa parte das vezes, mesmo que não rendesse tantas histórias, mas estava concentrado em outra coisa além da própria consciência, esquecer-se de si era o que o movia naquelas noites, mesmo quando chovia ou o frio era intenso.

Ele precisava daquilo mais do que de ar. Precisava daquilo mais do que tudo. Precisava todos os dias. Precisava o tempo inteiro. Precisava ver a vida dos outros, pois já não tinha mais uma para chamar de sua. Precisava.

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Mariana Costa
historietas

Jornalista, fotógrafa e finjo que escrevo nas horas vagas e nas ocupadas também