Como será (empreender)ser na era complexa? Um ensaio sobre tudo isso.

@andrenovelino
Holis Empreendedorismo consciente
12 min readApr 14, 2020

É 2020.

O ano se inicia e com ela centenas de incertezas, mas nem o mais pessimista, futurista ou até mesmo terra-planista poderia prever que no dia 11 de Março a Organização Mundial da Saúde viria a declarar uma pandemia.

O mais curioso é que, já no primeiro mês o que mais se viu foi um mundo buscar entender: qual significado disso tudo?

Em poucos dias de confinamento, mentes brilhantes começam a bradar: é o início da nova era!

Fascinante, antagônico, instigante, curioso, assustador, confortante, inspirador, desesperador. Vários adjetivos são aceitáveis para tudo que parece surgir frente aos nossos olhos, mas o que de fato pode se tornar verdade de tudo isso?

Não sei, e deixo claro minha opinião: quem afirmar que sabe, está ignorando a maior constante existente no mundo moderno: a mudança.

Partimos de muitas certezas e inúmeras, milhares de dúvidas, sendo assim, prever algo é se apegar ao passado.

Mas afinal, o que é esse passado que estão a todo custo construir nesses tempos caóticos?

Agora sim, existe um passado

É 1950.

Aqui se inicia o que entendemos como a era atual, chamada de Era Industrial(sim, se engana quem acredita que para a história está consolidado que vivemos uma era digital, talvez seja essa a primeira prova que a complexidade do mundo não permite mais fontes centralizadoras).

A Revolução Industrial vem, literalmente, se arrastando até os tempos modernos, mas não por dar clareza sobre as tecnologias que usamos hoje, e sim pelo modelo de pensamento que usamos hoje.

Com a Revolução Industrial desenvolvemos um modelo linear e mecanicista de pensar, ou seja, a vida é uma grande linha, as empresas são grandes linhas e a sociedade é uma grande linha.

O pensamento linear nos impediu de visualizar todo o sistema que estamos incluídos.

O pensamento linear nos fez ignorar a potência da maior força que já existiu na humanidade, a natureza.

O pensamento linear nos fez criar um novo senso de poder: primeiro terras, depois tecnologia e agora os dados.

O pensamento linear nos fez desacreditar no maior potencial que temos, a potência de sermos humanos.

E por que agora existe passado? Toda a loucura desses tempos, nos fez perceber (ainda mais) que a linearidade está (agora) nos impedindo de evoluir.

Olhar para a sociedade, as relações e o mundo, acreditando que estamos em uma grande linha, é um ensaio da nossa incapacidade de pensar em todas variáveis existentes atualmente.

Sim.

Agora, existe um passado.

Existe um passado porque está ficando claro que as soluções que precisamos, estão além das tecnologias que criamos, estão além do capital intelectual que construímos. Em 20 dias o mundo saiu da normalidade para um isolamento. Em 20 dias economistas que passam dias e noites calculando inflação mudaram perspectivas positivas para negativas.

Em apenas 20 dias, todas previsões e planejamentos mudaram.

Em apenas 20 dias, empresas que eram vistas como as mais promissoras do Brasil, demitiram boa parte de seus times.

As variáveis, os KPIs, os OKRs, as metas, se tornam obsoletas quando o mundo não é mais o mesmo que aquele que previmos.

O convite para mergulhar no caos

Pode ser muito assustador pensar que neste exato momento nos vemos frente à tantas incertezas e, que em algum momento nos pegamos pensando: é isso chegamos ao fim.

Mas sabe de onde vem essa pensamento?

Da maneira mecânica e linear de pensar, pois estamos o tempo todo tentando prever o passo-a-passo para sairmos da crise, e voltarmos ao normal.

As perguntas são: Quais medidas econômicas devem ser implementadas para impedir a recessão? Como garantir a continuidade dos negócios sem presença física dos consumidores? Quais estratégias implementar para passar pela crise?

Vamos refletir, todas essas perguntas nos fazem pensar assim:

O pensamento causal em sua essência é reducionista, ou seja, ele sempre vai nos levar para um caminho, e, como estamos habituados com a maneira atual de se viver, se formos inspirados por ele à pensar no novo, vamos nos manter em um estágio inerte.

Vamos olhar para o universo de maneira cartesiana, colocando duas variáveis:

  • X é o status-quo;
  • Y é o tempo;

Inspirados pela maneira linear de pensar, sempre tendemos a 1, ou seja, absorvemos todos meios e dados para encontramos 1 objetivo dado, dessa forma, ao passar do tempo nossa evolução se torna uma grande linha, inerte e incapaz de prover grandes transformações.

Agora se, convidados por um momento tão ímpar na história da humanidade começarmos a interpretar uma nova maneira, uma maneira complexa e efetual de pensar, conseguimos criar mais possibilidades.

O pensamento complexo é um convite para não tendermos a 1, ou seja, criarmos sempre um único cenário possível.

Eu não sou de exatas, então vamos mergulhar de maneira menos ‘exatas’ nesse tema.

Vamos pensar sobre a pergunta:

Quais medidas econômicas devem ser implementadas para impedir a recessão?

Se a nossa linha de pensamento for causal, vamos tender a criar planos para que tudo que seja feito, seja para retornar o status-quo, ou seja, vamos criar planos para retornar ao capitalismo exatamente como é, com grandes monopólios de renda, baixa distribuição, muita posse e pouco acesso.

Se a nossa linha de pensamento for efetual, a pergunta já pode ser diferente:

Quais medidas econômicas devem ser implementadas para criar o futuro possível?

Saindo da linearidade, podemos pensar em infinitas possibilidades. Se X não é mais uma constante, podemos pensar em um mundo onde se tenha uma renda universal básica, ou mesmo um mundo onde tenhamos economias circulares para garantir o retorno da riqueza aos produtores ou um mundo onde a produção seja descentralizada e dessa forma a gente não precise injetar investimento em grandes indústrias para elas se recuperarem.

Enfim, o objetivo não é demonizar um modelo econômico e sim questionar, se, não estamos tentando criar soluções simplistas demais para problemas complexos demais.

Depois de toda essa explicação, meu convite é:

Será que, estamos nos desesperando com tudo que está acontecendo porque estamos vendo apenas um futuro possível?

Quando nos abrimos para as infinitas possibilidades do universo, conseguimos enxergar mais alternativas, outras saídas e mais futuros possíveis.

A partir do momento que utilizamos os milhões de dados sobre os problemas atuais para criar milhões de possibilidades para soluciona-los, conseguimos viver com mais clareza a era caótica, que pode ser, de fato, resumida como era complexa.

Não é que estamos vivendo os piores momentos da humanidade, e sim que, estamos vivendo os momentos mais complexos que exigem soluções nem um pouco lineares.

O ato de empreender ganha ainda mais vida

É admirável ver a jornada do empreendedorismo.

Sim, não é irônico, pensar que o ato de se empreender também fez parte da evolução da humanidade.

Ele acompanhou as necessidades.

Ele criou soluções para os problemas.

Mas aí é que está, os problemas mudaram, e eles estão muito mais complexos.

O mundo, agora globalizado, passa a envolver milhares de variáveis e não conseguimos mais encontrar facilmente a relação causa e efeito dos problemas, e isso torna o desafio de criar negócios ainda maior.

Por mais que, nas últimas décadas, vários autores e pesquisadores apresentaram modelos de desenvolvimento de negócios centrados no usuário, centrados no consumidor, o que estamos passando agora está além desse pensamento, pois os problemas passam a ser globais.

As pessoas e sociedades cada vez mais inter-conectadas e inter-dependentes, exigem de tudo que criamos um pensamento emrede, e aí está o primeiro desafio.

Nossos modelos de negócio, por natureza, seguem um modelo linear e centralizado.

Para embasar essa percepção, vamos usar a Teoria das Redes, elaborada por Paul Baran.

A Rede Centralizada (A) é a maneira mais antiga de se empreender, ou seja, uma empresa, um único ponto de contato entrega valor para toda uma cadeia, centralizando capital intelectual e financeiro.

Empreender a partir do modelo linear e centralizado é criar negócios partindo da crença do proprietário, onde o dono, detém a posse de tudo. Esse modelo ignora as inter-conexões e também ignora as particularidades de nichos de mercado.

A Rede Descentralizada (B) é uma demonstração do que a tecnologia nos trouxe de potencial para criar negócios. As startups quebram a barreira de necessidade de centralização, ou seja, elas ignoram o status-quo que o desenvolvimento de negócios tem que sempre partir dos mesmos meios.

A descentralização é ilustrada pela criação de tecnologias mais específicas, mas que ainda sim, não respeitam a totalidade das inter-conexões geradas pela sociedade atual. Isso acontece porque, ainda que tenhamos a capacidade de criar melhores empresas pois estamos mais próximos dos consumidores, não estamos fazendo a leitura do que é ainda maior que isso, a conexão entre eles.

A Rede Distribuída © é a um modelo que ilustra melhor como é a forma de relação entre pessoas, empresas e sociedade hoje. Tudo o que acontece está inter-conectado. O que isso significa na prática? Que nenhum tipo de centralização pode ser bem explorado, já que, todos agentes estão conectados.

Um exemplo claro, são as tecnologias open-source.

Se o todo está inter-conectado, não existe sentido em reter um capital intelectual, já que, o todo tem acesso a ele e o que fazer com ele torna-se um desafio de um círculo, rede ou grupo.

Quando todos agentes estão inter-conectados o que é acumulável se torna commoditie, já que, todos conectados, podem fazer trocas.

Um outro exemplo claro disso é o bitcoin.

A tecnologia blockchain faz, basicamente, um trabalho de garantir para toda uma rede a transparência de transações financeiras, desta forma ela distribui a informação, ou seja, distribui o capital intelectual.

Se você quer transferir $100 para um amigo que está na Europa, você precisa transacionar essa quantia pelo banco pois, com a tecnologia dele, ele consegue afirmar para a rede que essa ação foi realizada. Percebe como isso é centralizado? O banco retém a informação e repassa para o mercado.

Se, essa informação da transação está em uma rede 100% segura, porém transparente, nós temos a opção de descentralizar a informação.

Basicamente, criamos contextos e não mais comandos e controles.

O blockchain é altamente revolucionário pois, ele atua na camada financeira, que é a mais importante para as relações econômicas atuais.

Se pensarmos que, toda informação pode ser documentada, de maneira segura, e informada para toda rede, descentralizamos as relações.

O quero dizer, em suma, é que nós precisamos considerar todas as inter-conexões que temos na realidade atual, nada mais pode ser retido ou centralizado. O todo faz parte da unidade e a unidade faz parte do todo. O nosso sistema é vivo e ele contém suas próprias respostas.

Estamos falando de movimentos

Nos colocando em um novo momento onde, as pessoas estão explorando melhor suas inter-conexões, o novo empreender se torna um ato de criar ondas que possam ressoar ao campo que emerge das comunidades.

Soluções que partem de um um para o todo, podem ser substituídas.

A lógica precisa ser transformada em algo que funcione de muitos para muitos.

Essa lógica me faz pensar que, as empresas, podem passar a se tornar movimentos. Não no sentido conotativo que são interpretados hoje, mas no sentindo que, o ato de empreender será o ato de entregar uma tecnologia para a rede explorar ela da melhor forma.

No livro Liderança para Tempos de Incerteza, Margareth J. Wheatley traz a seguinte citação:

Dinâmicas da Vida para a Auto-Organização e a Mudança

Um sistema vivo se forma a partir de interesse compartilhados.

Todas as mudanças resultam de uma mudança de significado.

Todo sistema vivo é livre para escolher se vai mudar ou não.

Os sistemas vivos contêm as próprias soluções.

Se estamos entendendo que, as inter-conexões do mundo atual reforçam a tese que somos um sistema vivo, nosso objetivo como empreendedxr não é mais criar a solução, já que quem detém a solução é o sistema, precisamos criar as tecnologias para os sistemas.

Isso inverte totalmente a lógica centralizadora que, de alguma forma, ainda é vista no modelo de redes descentralizadas de Paul Baran.

A natureza é o maior exemplo que temos a respeito da afirmação que os sistemas vivos detém suas respostas.

Ao longo dos milhões de anos de existência da Terra, vimos a biomassa se desenvolver de maneira complexa e incrível, desenvolvendo soluções funcionais para seus problemas climáticos, de cadeia alimentar e outros.

A Hipótese de Gaia, criada em 1979 por James Lovelock, traz a tese que o Planeta Terra é um imenso organismo vivo, assim como nós seres humanos.

Se olharmos para a Terra como um organismo podemos ter a certeza que ele é o mais complexo de todos. Mas o que é impressionante é que, ao longo de todo esse tempo de existência, alguns contextos foram impostos à Terra e, dela, emergiram soluções funcionais para criar o futuro viável.

A Terra passou por cinco eras geológicas e cada uma delas exigiu alguma ação dela. De maneira complexa e sistêmica, várias alterações em sua composição biológica corroboraram para a evolução. Agora imagine se seria possível calcular e analisar todas variáveis envolvidas em um planeta para definir uma solução. Certamente não.

O grande desafio da complexidade é criar contextos onde os sistemas sejam capazes de emergir soluções.

Ou seja, tudo isso para dizer que: as tecnologias precisam servir aos sistemas, facilitando com que eles próprios façam com que as solução emerjam.

Por mais que a gente se esforce em pesquisa o usuário, entender o comportamento dele, cada organismo vivo é complexo e mutável. Todas essas mutações ocorrem pelas inter-conexões criadas no meio.

O desafio de emergir

As novas soluções precisam respeitar a ‘nova ordem’, e com isso vem o grande desafio de criarmos tecnologias que facilitam o ato de emergir.

O criador não é mais quem detém a ideia, a realidade de posse é cada vez menor, seja ela física ou intelectual.

Otto Scharmer criou a Teoria U, uma forma prática de criarmos espaços onde o futuro emerja e não necessariamente seja criado ou previsto.

A complexidade da Teoria U é que, ela traz para o campo pragmático sentimentos, emoções, inspirações e principalmente a intuição. O grande desafio para o mercado tradicional vai ser entender que essas características, agora, mais que nunca, precisam fazer parte da criação de soluções.

Só conseguiremos atingir campos profundos e verdadeiros se dermos espaço aos sentimentos e ao ser humano que existe em cada um de nós.

A Teoria U é uma das ferramentas que podem nos colocar em campos mais sensitivos e a partir destes, será possível emergir soluções para essa nova era.

Em suma, ela apresenta um processo baseado em 5 etapas:

  • Co-iniciar: reconhecer os padrões daquele espaço;
  • Co-sentir: trazer novas lentes para o problema;
  • Presenciar: incitar a conexão do humano com o problema, se colocar presente para deixar emergir o possível e não criar a partir de suposições;
  • Co-criar: a partir do que emerge, criamos o novo;
  • Co-evoluir: colocamos em práticas o que emergiu de um estado profundo de presença.

A principal etapa deste processo, chamada de presença é onde o autor mais embasa sua tese.

Estar presente é estar aberto para inserir sentimentos e intuição na co-criação, é despertar a potência que existe em cada um para possibilitar que o verdadeiro novo venha a emergir.

A grande questão é que, os empreendimentos atuais tem uma dificuldade de aceitar e incluir práticas holísticas em sua realidade, mas como vimos anteriormente, enquanto formos apegados ao desenvolvimento linear de soluções, vamos tender a produzir o que nos leva à inércia.

O convite ao novo é, de certa forma, um convite para olhar para dentro.

Mas olhar pra dentro ainda é um tabu, pois uma das inteligências menos exploradas da humanidade é a intra-pessoal. Se ainda não entendemos que, somos parte do todo e que o simples fato de estarmos integrados com o todo nos faz parte do sistema e que o sistema é capaz de prover respostas, vamos seguir limitando nosso potencial criativo.

Um dos meus autores preferidos, Amit Goswami, escreveu em ‘Criatividade para o século XXI’ uma série de ensaios sobre o que nos torna criativo.

O ser humano é, por natureza, criativo. O que nos distancia desse espaço é a serie de imposições que nos fazemos para nos distanciar da nossa própria essência.

O que nos torna menos criativos é realizar atos que vão contra a nossa natureza. A nossa espécie, é, por natureza, colaborativa. Quando agimos só pelo ego nos distanciamos do nosso potencial. A nossa espécie, é, por natureza, vulnerável. Quando agimos sem dar espaço e vazão aos nossos sentimentos nos distanciamos do nosso potencial. A nossa espécie, é, por natureza, afetiva. Quando escolhemos agir pelo desafeto estamos certamente nos distanciando do nosso potencial.

Um convite aos líderes

Agora, mais que nunca, os líderes tem um papel essencial na criação do futuro possível.

O convite que faço é que sejamos abertos ao que novo pode nos oferecer, é que sejamos capazes de entender que, olhando a partir de lentes do modelo linear, mecanicista e reducionista, não seremos capazes de entregar soluções não-lineares e complexas.

E quando não temos mais a capacidade de exercer influência sob o meio, precisamos respeitar sua própria capacidade de criar. Gaia é a Terra, e a Terra á um imenso organismo.

Respeitemos a imensidão deste organismo e sejamos responsáveis pelos estímulos positivos que podemos gerar.

Sejamos menos controladores.

Não somos mais capazes de exercer forte influência sobre os meios, nosso desafio agora é prover ao sistema o necessário para que ele crie e desenvolva.

Nosso desafio é prover ao meio a capacidade de olhar pra dentro, pro que há de mais complexo e grandioso no mundo que é a essência de ser humano.

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