Holochain: Criptoeconomias para uma Nova Terra

Julio Holon
Holocasa

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Na grande transição cultural, social e tecnológica que estamos vivendo no que alguns chamam de Quarta Revolução Industrial, a forma tradicional como nos relacionamos com o dinheiro e os recursos do planeta está sendo alterada profundamente. Não mais o dinheiro será controlado por países e produzido por bancos e casas de moedas. A verdadeira libertação do ser humano se dá quando restauramos nosso direito à nossa herança devida: acesso responsável aos recursos do planeta.

Desde o início da civilização agricultural, talvez antes de 5000 a.C. quando estimam que o dinheiro foi inventado, ele era uma representação da confiança, da ideia implícita de contratos de crédito mútuo (“eu te devo uma”).

(Fonte: The Future of Money, Bernard Lietaer, 2003)

Foi apenas recentemente que o dinheiro adquiriu essas características modernas:

  • Moedas nacionais, que definem fronteiras
  • Sistema de débito bancário, onde é impossível pagar todo o débito (hoje são 200 trilhões de USD em débito versus apenas 30 trilhões em circulação)
  • Ausência de lastro, onde o dinheiro é criado “do nada” (dinheiro fiat, ou fiduciário)
  • Sistema de usura (considerada crime em muitas culturas por mais de 3 séculos)
  • Gera competição sistêmica
  • Necessidade de crescimento infinito
  • Centralização de renda (desigualdade de taxas)

Mas o capitalismo está evoluindo, e novas economias estão surgindo, como por exemplo a Economia do Compartilhamento (ou Sharing Economy, em inglês), onde os recursos que são abundantes e caros são compartilhados por meio de plataformas de software. Esse modelo tam sido chamado de Capitalismo de Plataforma, e os maiores exemplos hoje são o Uber (transporte), AirBNB (hotelaria), Alibaba (varejo) e Facebook (mídia). Nesse novo modelo de capitalismo, a reputação vale ainda mais do que dinheiro.

Outra evolução recente do capitalismo são as criptoeconomias, proporcionadas pelo advento da tecnologia conhecida como Blockchain, que surgiu em 2007, e que possibilita um sistema distribuído de gestão de confiança, sem intermediários. Uma forma simplificada de explicar o blockchain é pensar em um único arquivo do Excel gigantesco, que guarda todas as transações que cada um fez desde o início dos tempos, em cada linha do arquivo. Como o sistema é decentralizado, todo mundo pode escrever neste arquivo, desde que saiba a senha. Cada linha tem uma senha diferente, e as senhas são geradas aleatoriamente. Para descobrir essas senhas, precisa usar um computador rápido que vai fazendo tentativa e erro. Isso é o que os Mineradores fazem no Blockchain. E eles são compensados pelo seu trabalho, sendo que a primeira transação que eles escrevem na linha, quando descobrem a senha é uma transação do vazio para eles mesmos. No Bitcoin, por exemplo, hoje são gerados 12,5 BTC a cada linha (ou bloco), que equivale, no momento dessa postagem, a aproximadamente USD 100.000,00.

O Blockchain traz um conceito interessante pois permite a manipulação da valores e confiança sem uma entidade central que arbita (como um banco, ou seguradora), que pode ser corrompida ou adulterada, por meio de um consenso único global de quanto cada usuário detém de cada moeda. Porém os Mineradores acabam detendo um grande poder sobre a plataforma, no Bitcoin hoje, 40% do poder de mineração é controlado por uma única empresa. Além de gastar uma quantidade assustadora de energia, nesse processo de tentativa e erro para achar as senhas. Se o Bitcoin fosse um país, ele seria o 39° país em gasto energético do mundo (passando a Áustria, Chile e Portugal). Na progressão atual, em 2019 ele gastará o mesmo que os EUA, e em 2020, se nada for feito, ele gastará o mesmo que o planeta inteiro! Outro problema lamentável do Blockchain é sua performance, sendo capaz apenas de fazer menos de 20 transações por segundo, enquanto que sistemas de cartão de crédito como o VISA fazem mais de 1500.

Nesse cenário surge o Holochain, criado em 2017, trazendo uma metáfora completamente nova e diferente do Blockchain. Ao invés de oferecer um único arquivo gigantesco que todos podem escrever, o seu modelo é orientado a agentes, ou seja, cada usuário da plataforma tem um pequeno arquivo, chamado de source chain. Quando um agente deseja fazer uma transação com outro agente, basta que um valide e assine o source chain do outro, numa transação entre pares (ou peer-to-peer). Esse modelo é muito mais escalável, pois não existem mineradores, os próprios agentes, que usam o sistema validam as transações usando o mesmo sistema de validação, não é necessário um consenso global, apenas um consenso local entre os pares que fazem a transação. Os agentes trocam suas source chains por meio de um protocolo chamado DHT, semelhante ao usado no BitTorrent.

Outro ponto chave de interesse no Holochain é a forma como ele lida com créditos. Ao invés de ter uma moeda como no Bitcoin, o Holochain retoma o conceito de crédito mútuo, usado em projetos de economias locais há décadas. Num crédito mútuo é possível ficar negativo. Um exemplo simples de entender: quando você vai num restaurante e decide pagar a conta para seu amigo, ele fica te “devendo uma”, você fica +1 contas e ele fica -1 contas. A somatória, porém, dos saldos positivos e negativos sempre tem que ser zero.

Por essa natureza de transações entre pares o Holochain possibilita recursos impensáveis no Blockchain, como por exemplo, transações offline! Com o Holochain você pode comprar água de coco na praia bastando que os dois dispositivos possam se conectar localmente, mesmo que não tenha internet. Assim que um deles voltar à rede, aquelas transações serão sincronizadas e aquele saldo poderá ser usado. Obviamente que esse recurso não será usado para transferir grandes valores, sendo que para isso será necessário checar a source chain do agente com vários outros pares antes de aceitar fazer negócio.

Também é possível recuperar senhas no Holochain, coisa que é impossível por design no Blockchain (se você perde sua senha lá, o dinheiro é perdido para sempre). Existe um mecanismo no Holochain que permite você revogar sua source chain e transferir os dados que lá existiam para uma nova source chain, desde que você convença um número mínimo de pessoas que conheciam você a aprovar essa migração. O Holochain não usa o modelo de anonimato que existe no Blockchain, usando apenas pseudônimos para se referir às contas.

Para usar um agente Holochain, porém, você precisa ser capaz de instalar e rodar um servidor Linux, pois não existe servidor central. A forma fascinante que eles encontraram para permitir mesmo usuários leigos terem acesso ao Holochain foi criar a plataforma Holo. Essa plataforma funciona como uma nuvem que roda na casa das pessoas, como se fosse um AirBNB onde você aluga seu computador que não está sendo usado para poder rodar aplicações em Holochain! Para os que não querem ter nenhum trabalho, eles vendem uma caixinha chamada HoloPort, que é um computador completo Linux, que já vem configurado, bastando ligar na tomada, e na internet, e começar a ganhar dinheiro, hospedando aplicações em Holochain. Mas se você tem conhecimentos de informática, pode baixar o software open source das HoloPorts e instalar você mesmo, transformando qualquer computador em HoloPort.

Em março de 2018 a Holo Ltd. fez um crowdfundind para vender HoloPorts, e chegou a vender quase 2000 unidades, levantando mais de USD 1 milhão! Além disso, em abril de 2018 eles fizeram um ICO (que chamaram de Initial Community Offering), onde foi cunhado um Token ECR20 chamato HOT (Holo Token) que é um substituto temporário para o crédito mútuo, chamado Holo Fuel, que vai circular na rede das HoloPorts, sendo que as pessoas que usarem as HoloPorts para hospedagem serão remuneradas pelos provedores de aplicações, de forma automática, e poderão sacar esse Holo Fuel em Bitcoin ou Ether (a moeda do Ethereum, que é a segunda moeda mais famosa no mundo do Blockchain).

O Holochain tem um potencial enorme de gerar um impacto grande na internet que hoje se tornou extremamente centralizada, oferecendo uma oportunidade de recomeço e volta às suas origens distribuídas. Ele permite criar formatos de capitalismo ainda mais interessantes, onde os recursos e riquezas voltam a ficar nas mãos das pessoas, nos devolvendo o acesso à nossa herança coletiva, que são os recursos desse maravilhoso planeta! Essa é a base tecnológica na qual estão sendo escritos os softwares de gestão da Holocasa.

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Julio Holon
Holocasa

Arquiteto de soluções distribuídas, gamificadas, criptográficas e inteligentes, buscando construir uma sociedade mais orgânica, peer-to-peer, descentralizada e