Brinquedos são mais divididos por gênero hoje do que há 50 anos atrás

Mesmo em momentos em que a discriminação era muito mais comum, os catálogos continham apelos mais neutros do que os dos anúncios de hoje.

HNEB
Hormônio não é brinquedo
6 min readFeb 22, 2018

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Lucy Nicholson/Reuters

Por Elizabeth Sweet

Quando se trata de comprar presentes para crianças, tudo é codificado por cores: limites rígidos segregam as figuras de ação azul valente das de lindas princesas cor de rosa, e a maioria assume que é assim e que sempre foi. Mas, na verdade, o papel da princesa que é onipresente nos brinquedos das meninas hoje em dia foi extremamente raro antes da década de 90 — e a comercialização de brinquedos é mais dividida por gênero agora do que há 50 anos atrás, quando a discriminação de gênero e o sexismo eram a norma.

Na minha pesquisa sobre propagandas de brinquedos, descobri que, mesmo quando o marketing de gênero era mais pronunciado no século 20, cerca da metade dos brinquedos seguiam sendo anunciados de uma maneira neutra em termos de gênero. Esta é uma grande diferença com relação ao que vemos hoje, pois as empresas classificam os brinquedos de uma maneira mais estrita que força as crianças a caberem nas caixas [de gênero]. Por exemplo, um estudo recente das sociólogas Carol Auster e Claire Mansbach descobriu que todos os brinquedos vendidos no site da Disney Store eram explicitamente categorizados como “para meninos” ou “para meninas” — não havia opção “para meninos e meninas”, mesmo que um punhado de brinquedos pudessem ser encontrado em ambas as listas.

Isso não quer dizer que os brinquedos do passado não fossem profundamente infundidos com estereótipos de gênero. Brinquedos para meninas entre as décadas de 1920 e 1960 concentraram-se fortemente na domesticidade e na maternidade. Por exemplo, um anúncio da Sears de 1925 para um conjunto de vassouras e espanadores de brinquedo, proclamou: “Mães! Aqui está um verdadeiro brinquedo prático para meninas pequenas. Toda menina gosta de brincar de casinha, varrer e fazer o trabalho da sua mãe”:

Anúncio de un catálogo de 1925 da Sears

Esses brinquedos foram claramente projetados para preparar as jovens para uma vida doméstica, e as tarefas domésticas eram retratadas como agradável para as mulheres. Anúncios como este ainda eram comuns, embora menos prevalentes, na década de 1960 — uma dona de casa em ascensão sentira-se em casa com os brinquedos para “encantar a pequena ama de casa” do Livro de Desejos da Seward de 1965:

Anúncio do Livro de Desejos da Sears de 1965

Enquanto os brinquedos das meninas se concentraram na domesticidade, os brinquedos para meninos dos anos 20 até os anos 60 enfatizavam a preparação para o trabalho na economia industrial. Por exemplo, um anúncio da Sears de 1925 para o Erector Set, dizia: “Todo garoto gosta de consertar e tentar construir coisas. Com o Erector Set, ele pode satisfazer essa inclinação e se desenvolver mentalmente sem esforço aparente. Ele aprenderá os fundamentos da engenharia”:

Anúncio de um catálogo da Sears de 1925

No entanto, os anúncios de brinquedos com códigos de gênero como estes, diminuíram acentuadamente no início da década de 1970. Na época, havia muito mais mulheres na força de trabalho e, após o Baby Boom, as taxas de casamento e natalidade caíram. Na sequência das mudanças demográficas e no auge da segunda onda do feminismo, jogar com os estereótipos de gênero para vender brinquedos tornou-se uma estratégia arriscada. Nos anúncios do catálogo da Sears de 1975, menos de 2% dos brinquedos eram comercializados explicitamente para meninos ou para meninas. E o mais importante, houve muitos anúncios nos anos 70 que desafiaram ativamente os estereótipos de gênero — meninos eram apresentados jogando com brinquedos domésticos e meninas eram mostradas construindo e promulgando papéis estereotipicamente masculinos, como médico, carpinteiro e cientista:

Na década de 70, os catálogos da Sears tinham uma maior proporção de anúncios neutros com respeito ao gênero. (Sears)

Embora a desigualdade de gênero no mundo adulto continuasse a diminuir entre os anos 1970 e 1990, a tendência sem gênero dos brinquedos foi de curta duração. Em 1984, a desregulamentação da programação da televisão para crianças, repentinamente libertou as empresas de brinquedos para criarem propagandas para divulgar seus produtos, e o gênero tornou-se um diferencial cada vez mais importante em programas de TV e nos brinquedos anunciados junto a eles. Durante a década de 80, a publicidade neutra em termos de gênero retrocedeu, e em 1995, os brinquedos de gênero compunham cerca da metade das ofertas do catálogo da Sears — a mesma proporção que durante os anos de entre guerras.

No entanto, o marketing do século passado dependia menos do sexismo explícito e mais dos indícios implícitos de gênero, como a cor, e novos papéis de gênero baseados em fantasia, como a bela princesa ou o herói de ação musculoso. Esses papéis ainda estavam baseados em estereótipos de gênero conservadores — retratavam uma masculinidade poderosa, orientada as habilidades e uma feminilidade passiva e relacional — que se obscureciam com as novas e brilhantes embalagens. Em essência, a “pequena ama de casa” da década de 50 tornou-se a “pequena princesa” que vemos hoje.

Não tem que ser assim. Embora o gênero seja tradicionalmente utilizado para classificar os mercados-alvo, a indústria de brinquedos (que é gerida em grande parte por homens) pode categorizar seus clientes de várias outras maneiras — em termos de idade e interesse, por exemplo.

(Isso poderia aumentar a base de consumidores). No entanto, a dependência da categorização de gênero vem do topo: não encontrei nenhuma evidência de que as tendências dos últimos 40 anos sejam um resultado da demanda do consumidor. Dito isto, o aumento do final do século XX na porcentagem de americanos que acreditam nas diferenças de gênero sugere que o público não estava tampouco rejeitando os brinquedos de gênero.

Nos anúncios do catálogo da Sears de 1975, menos de 2% dos brinquedos eram comercializados explicitamente para meninos ou para meninas.

Enquanto o movimento feminista de segunda onda desafiou os princípios da diferença de gênero, as políticas sociais para criar condições equitativas nunca foram realizadas e uma reação cultural ao feminismo começou a ganhar impulso na década 80. Neste contexto, o modelo descrito no livro “Homens são de Marte, as mulheres são de Venus” — que sugere que as mulheres gravitavam em torno a certos papéis não por causa da opressão, mas por causa de alguma preferência inata — prevaleceu. Este novo conto sobre a diferença de gênero, que enfatiza a liberdade e a escolha, foi costurado profundamente no tecido da infância contemporânea. A história reformulada não desafia fundamentalmente os estereótipos de gênero; ela simplesmente fornece nova embalagem para torná-los mais palatáveis ​​em uma era “pós-feminista”. As meninas podem ser qualquer coisa, desde que sejam passivas e focadas na beleza.

Muitos que abraçam o novo status quo dos brinquedos afirmam que a neutralidade de gênero seria sinônimo de privação da liberdade de escolhas, forçando as crianças a se tornarem autômatos andróginos que só podem brincar com objetos sem graça. No entanto, a paleta brilhante de possibilidades e os diversos temas encontrados entre os brinquedos dos anos 70 demonstram que, desacoplar os brinquedos do gênero, de fato, amplia o leque de opções disponíveis. Ele abre a possibilidade de que as crianças possam explorar e desenvolver seus diversos interesses e habilidades, sem restrições impostas pelos estereótipos de gênero. E, em última análise, não é isso o que queremos para elas?

ELIZABETH SWEET é estudante de pós-doutorado da Universidade da Califórnia em Davis.

Texto original: https://www.theatlantic.com/business/archive/2014/12/toys-are-more-divided-by-gender-now-than-they-were-50-years-ago/383556/

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