Carta para…minha menininha, que se identifica como menino
Carta de uma mãe anônima publicada no jornal The Guardian.
Tudo começou quando você tinha quase dois anos. Você ficava fascinada pelo fato de que as lojas infantis eram completamente divididas em “coisas de meninos” e “coisas de meninas”, e gostava de me mostrar que já sabia diferenciar umas das outras. Eu, tentando te fazer entender que roupas e objetos não estavam conectados à sua genitália, dizia: “Não, isso é de todos”. E você me olhava com os olhos arregalados. É difícil para uma criança pequena discordar de adultos super poderosos. E eu me sentia desconfortável.
Você estava certa e eu estava mentindo. Você tinha entendido o recado do marketing e meu fingimento não era capaz de fazê-lo desaparecer.
Rapidamente você começou a dizer que porque gostava das “coisas de menino” devia ser um. Quis cortar o cabelo curtinho, se negava a usar vestidos e fazia como se fosse vomitar cada vez que alguém te oferecia algo rosa. Eu não ligava, te deixava agir assim. Minhas irmãs e eu fazíamos coisas parecidas quando éramos pequenas.
Tampouco demonstrei meu desacordo quando você disse ser um menino. Sei que você ainda é muito pequena para compreender as complexas razões pelas quais, em nossa sociedade, se supõe que meninos e meninas devem se comportar, vestir e sentir de maneira diferente.
Você não é feminina. É isso o que você quer dizer.
No entanto, durante os últimos anos, comecei a ler sobre gênero e o que descobri me fez temer por seu futuro. Sabe? Agora é controverso que eu, contrariando a sua opinião, diga que sei que você não é um menino. Há muitíssimas vozes aí fora, na internet, que não estão de acordo comigo e te dirão o contrário. E estão começando a ser majoritárias e se tornam mais proeminentes a cada dia. Estão convencendo pessoas jovens, vulneráveis, que elas podem fazer o que é biologicamente impossível: trocar de sexo.
E se você se converter numa adolescente que sente que não se encaixa no próprio corpo?
Como professora, vejo esse tipo de coisa acontecer com adolescentes todos os dias, manifestando-se em anorexia ou em autoflagelação. Reconhecemos que esta maneira de sentir o próprio corpo é patológica, mesmo assim, aparentemente, no que diz respeito à “identidade de gênero”, a opinião dos adolescentes é a que manda.
E se você acabar acreditando que seu corpo é “errado”? Em breve, a partir dos 16 anos de idade, você poderá começar a tomar medicamentos severos, que vão te mudar pra sempre. Medicamentos que te tornarão estéril. Cirurgias que terão efeitos colaterais para o resto da sua vida. E alguns setores liberais da sociedade me chamarão de mãe abusiva por não concordar com tudo isso.
Eu olho pra você: seu corpo é perfeito. Não posso suportar a ideia de que talvez alguém tente te convencer do contrario só porque você gosta de dinossauros, piratas e de socar coisas.
Te abraço e te sussurro como tenho feito desde que você nasceu, há cinco anos: “você é minha menininha perfeita”.
Minha menina. Nada pode mudar isso.
Texto original: https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2016/apr/23/a-letter-to-my-little-girl-who-identifies-as-a-boy