Carta para…minha menininha, que se identifica como menino

HNEB
Hormônio não é brinquedo
3 min readFeb 11, 2018

Carta de uma mãe anônima publicada no jornal The Guardian.

Imagem: Guillaume de Germain

Tudo começou quando você tinha quase dois anos. Você ficava fascinada pelo fato de que as lojas infantis eram completamente divididas em “coisas de meninos” e “coisas de meninas”, e gostava de me mostrar que já sabia diferenciar umas das outras. Eu, tentando te fazer entender que roupas e objetos não estavam conectados à sua genitália, dizia: “Não, isso é de todos”. E você me olhava com os olhos arregalados. É difícil para uma criança pequena discordar de adultos super poderosos. E eu me sentia desconfortável.

Você estava certa e eu estava mentindo. Você tinha entendido o recado do marketing e meu fingimento não era capaz de fazê-lo desaparecer.
Rapidamente você começou a dizer que porque gostava das “coisas de menino” devia ser um. Quis cortar o cabelo curtinho, se negava a usar vestidos e fazia como se fosse vomitar cada vez que alguém te oferecia algo rosa. Eu não ligava, te deixava agir assim. Minhas irmãs e eu fazíamos coisas parecidas quando éramos pequenas.

Tampouco demonstrei meu desacordo quando você disse ser um menino. Sei que você ainda é muito pequena para compreender as complexas razões pelas quais, em nossa sociedade, se supõe que meninos e meninas devem se comportar, vestir e sentir de maneira diferente.

Você não é feminina. É isso o que você quer dizer.

No entanto, durante os últimos anos, comecei a ler sobre gênero e o que descobri me fez temer por seu futuro. Sabe? Agora é controverso que eu, contrariando a sua opinião, diga que sei que você não é um menino. Há muitíssimas vozes aí fora, na internet, que não estão de acordo comigo e te dirão o contrário. E estão começando a ser majoritárias e se tornam mais proeminentes a cada dia. Estão convencendo pessoas jovens, vulneráveis, que elas podem fazer o que é biologicamente impossível: trocar de sexo.

E se você se converter numa adolescente que sente que não se encaixa no próprio corpo?

Como professora, vejo esse tipo de coisa acontecer com adolescentes todos os dias, manifestando-se em anorexia ou em autoflagelação. Reconhecemos que esta maneira de sentir o próprio corpo é patológica, mesmo assim, aparentemente, no que diz respeito à “identidade de gênero”, a opinião dos adolescentes é a que manda.

E se você acabar acreditando que seu corpo é “errado”? Em breve, a partir dos 16 anos de idade, você poderá começar a tomar medicamentos severos, que vão te mudar pra sempre. Medicamentos que te tornarão estéril. Cirurgias que terão efeitos colaterais para o resto da sua vida. E alguns setores liberais da sociedade me chamarão de mãe abusiva por não concordar com tudo isso.

Eu olho pra você: seu corpo é perfeito. Não posso suportar a ideia de que talvez alguém tente te convencer do contrario só porque você gosta de dinossauros, piratas e de socar coisas.

Te abraço e te sussurro como tenho feito desde que você nasceu, há cinco anos: “você é minha menininha perfeita”.

Minha menina. Nada pode mudar isso.

Texto original: https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2016/apr/23/a-letter-to-my-little-girl-who-identifies-as-a-boy

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