Disforia é bem comum

HNEB
Hormônio não é brinquedo
3 min readFeb 9, 2018
Imagem: Tatiana Diakova

Tradução do original DYSPHORIA IS VERY ORDINARY, texto do criador do blog Third Way Trans, um homem que viveu como mulher trans dos 19 aos 39 anos.

Muitas pessoas trans falam de disforia como se fosse uma coisa misteriosa, que não pode ser compreendida pelos demais. Tendo experimentado a disforia de gênero, eu acho que é uma coisa muito comum. É a discrepância entre como alguém gostaria que o mundo fosse e como o mundo é. Você quer que seu corpo seja de uma maneira, mas ele é de outra maneira. Você quer ser tratado de uma forma e é tratado de outra. Você quer ser visto de uma forma, mas é visto de forma diferente. Esta é realmente uma experiência universal, compartilhada por todos os seres humanos. Eu acho útil entender isso, ajuda a criar empatia e compaixão, em vez de separação e isolamento.

Acontece que qualquer coisa que aumenta a distância entre como você gostaria que o mundo fosse e como ele é, aumentará sua disforia, e qualquer coisa que diminua essa distância, diminuirá sua disforia. Muitas vezes, as pessoas relatam que, quando chegam ao ponto de se identificar como transgênero, em vez de questionar, sua disforia aumenta em vez de diminuir. Isso não é surpreendente, porque o que fazem é aumentar a distância entre como eles gostariam que o mundo fosse e como o mundo é. Nesse ponto, se enxergar como pertencente ao seu sexo de nascimento se torna mais doloroso, porque você solidificou a ideia de pertencer ao outro sexo. A dor de ser confundido quanto ao seu gênero aumenta muito depois de iniciar a transição porque você se comprometeu com a ideia de que o mundo te veja com o gênero com o qual você se identifica, e não é assim que acontece. Quanto mais rígidas essas ideias, maior o sofrimento.

Quando se enfrenta um mundo diferente de como você gostaria que ele fosse, existem duas maneiras de reduzir essa diferença. Uma é mudar o mundo para que te agrade mais, a outra é aceitar o mundo como está. É como a oração clássica da serenidade:

“Deus, conceda-me a serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, a coragem para mudar as coisas que posso, e sabedoria para reconhecer a diferença entre elas “.

Quando se trata de gênero, há coisas que você pode mudar, é verdade, você pode mudar seus hormônios, você pode fazer cirurgias, pode mudar seu nome, pode mudar a maneira como você se comporta do mundo. No entanto, você não pode mudar completamente seu sexo, você não pode controlar as percepções dos outros. Não aceitar esses dois fatos, leva a um sofrimento infinito.

Lembro que eu tinha uma disforia severa. Era muito importante para mim que todos me percebessem como mulher. Sempre que isso falhava de alguma forma, eu inventava alguma explicação para isso ter acontecido. Às vezes, era impossível, e eu entrava em colapso. Até me mudei para um lugar onde haviam menos transexuais para tentar ser percebida como mulher. Isso também não funcionou. Eu queria que o mundo fosse outro. Eu ainda tinha disforia corporal mesmo após a cirurgia porque queria que meu corpo fosse diferente do que era. A única saída, foi o caminho da aceitação. Foi o que me ajudou a abandonar a disforia, não mudando meu corpo, não tentando convencer a todos de que nasci fêmea, não tentando me convencer de que eu era mulher em todos os sentidos.

Você pode mudar seu corpo ou não, mas sem aceitação, a disforia não vai desaparecer. Se você é dependente da percepção dos outros sobre você, de uma certa maneira, isso também não vai funcionar, porque você não controla as percepções dos outros. A aceitação é essencial seja qual for o caminho que você tome através deste labirinto, seja ele a transição ou não, hormônios ou não, cirurgias ou não. Então, por que não começar por aí? Eu sei por mim mesmo, se eu tivesse praticado a aceitação desde o princípio, não precisaria ter mudado o meu corpo. Não tenho certeza do que é melhor para você, mas sei que todos precisamos enfrentar o fato de o mundo ser diferente de como gostaríamos que fosse.

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