O que vi em um workshop sobre jornalismo de soluções

Priscila Pacheco
Hostwriter
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4 min readJun 14, 2019
Parte do grupo de jornalistas que participou do workshop de jornalismo de soluções — Arquivo pessoal

Destaque para soluções ao invés de apenas noticiar algo negativo, diálogo com leitor e colaboração entre jornalistas marcaram o workshop

Em maio, estive em Cartagena das Índias, na Colômbia, para participar de um workshop sobre jornalismo de soluções. Fui uma das 16 jornalistas selecionadas pela FNPI (Fundação Gabriel García Márquez) para ter aulas por uma semana com Liza Gross, jornalista argentina com mais de 30 anos de experiência e integrante da Rede de Jornalismo de Soluções (SJN, sigla em inglês). Liza também teve a colaboração de Gregory Scruggs, jornalista estadunidense e membro da SJN.

Mas o que é jornalismo de soluções? Bom, não é algo estilo “vamos salvar o mundo”, não é uma mudança gerada depois de uma denúncia publicada e não é ativismo. É uma investigação rigorosa baseada nas evidências das respostas a problemas sociais. Por exemplo, ao invés de escrever só sobre um problema ou uma tragédia, podemos mostrar o que está sendo feito para melhorar determinada situação.

Algumas características são: a solução é o centro da narrativa; é dado destaque aos detalhes da implementação; apresenta evidências de resultados no lugar de apenas intenções; inclui pessoas, mas se concentra no processo de resolução; oferece detalhes das limitações; mostra uma perspectiva inovadora; não sensacionaliza nem promove pontos de vista.

Por exemplo, o Reentry Project é um trabalho que reuniu 15 veículos jornalísticos para fazer investigações sobre reincidência e ressocialização de presidiários da Filadélfia, Estados Unidos. Entre 2016 e 2018, a equipe publicou reportagens que mostravam o impacto social e econômico das altas taxas de reincidência, quais eram os desafios e quais ações estavam sendo praticadas para que menos pessoas voltassem para a prisão. No site do SJN há uma coletânea de reportagens produzidas por diversos veículos. É uma boa ver para entender melhor como está o foco no jornalismo de soluções.

Durante o workshop também falamos muito sobre a relação com o leitor, sobre criar um contato de confiança e um diálogo aberto. Em tempos nos quais há leitores dizendo que não querem mais ler jornal, pois só publicamos notícias ruins, faz sentido discutirmos sobre nosso relacionamento.

Apesar das boas intenções do jornalismo de soluções, há um questionamento que recebi logo que voltei ao Brasil: precisamos criar novos nomes para o jornalismo para realizar ações que deveriam ser básicas da área? Deixo a pergunta para você você pensar.

O contato e a colaboração entre jornalistas

O workshop foi realizado em Cartagena entre os dias 20 e 24 de maio de 2019. Os jornalistas ainda mantêm contato — Priscila Pacheco

Além do aprendizado, a temporada em Cartagena foi importante para criar vínculos com jornalistas de outros países da América Latina. Havia profissionais do Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Honduras, Costa Rica, Guatemala e México. Houve muita sintonia e interação muito boa entre nós. Tanto que mantemos contato até hoje e já foram feitas algumas coisas em colaboração.

A primeira ação depois do curso foi cada jornalista gravar um vídeo curto para dizer um avanço em seu próprio país em relação aos direitos das mulheres. O conteúdo foi publicado no instagram de cada participante. Na terça-feira (11), mais um conteúdo foi disponibilizado no Instagram. Por causa da eleição presidencial que será realizada neste domingo (16) na Guatemala, foram gravados vídeos que falavam sobre a importância da conscientização para votar. Além da jornalista da Guatemala, participaram comunicadores da Argentina e Bolívia, países que também vão escolher presidentes neste ano, e da Venezuela. Por fim, nesta sexta-feira (14), a Red/Acción, da Argentina, publicou uma reportagem sobre assédio sexual virtual. O conteúdo conta com resultados de uma enquete feita em parceria com o site Mutante, da Colômbia. Divulgaram juntos a hashtag #HablemosDelAbusoSexualEnLínea. Os jornalistas dos dois veículos independentes se conheceram durante o workshop de jornalismo de soluções.

Penso que é um primeiro passo para fazermos mais trabalhos jornalísticos juntos.

Enfim, me sinto encantada com este tipo de união entre jornalistas de diversos lugares, que trabalham para diferentes veículos de comunicação. Penso que nós, jornalistas, e os leitores, temos mais a ganhar com a colaboração do que com competição.

Gosto tanto dessa união que desde o ano de 2015 faço parte da Hostwriter, uma plataforma que acredita no potencial do jornalismo colaborativo transfronteiriço. O site reúne jornalistas de muitos países e permite que a gente entre em contato um com o outro para propor um trabalho em conjunto, fazer alguma pergunta sobre um fato do lugar onde a pessoa vive etc. Também há um espaço para compartilharmos anúncios de vagas para frilas, eventos jornalísticos, bolsas para fazer reportagens ou estudar. Vale conhecer, saber mais sobre jornalismo colaborativo transfronteiriço e fazer parte da rede.

Além disso, integro a rede de embaixadores da Hostwriter desde 2018. A missão é representar a organização em nosso próprio país. Logo depois que o grupo foi criado, tivemos um encontro em Varsóvia, na Polônia. Foi uma ótima experiência conversar com jornalistas de Madagascar, Tunísia, Nigéria, Camarões, Egito, Libano, Myanmar, Índia, Filipinas, Hungria, Polônia e até Tajiquistão. Recentemente, recebemos a notícia de que um jornalista da Somália se tornou embaixador.

Enfim, sempre é muito bom aprender mais para produzir boas reportagens e manter contato com jornalistas de diferentes países. O jornalismo é beneficiado com isso.

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Priscila Pacheco
Hostwriter

Journalist — I am an independent journalist and I am interested in human rights, social actions, culture and environment. Instagram: @pricspacheco