Carnívora — PJ Kaiowá

Lucas Ferreira
HQnoBlack
4 min readJan 9, 2019

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Capa — imagem da amostra grátis da HQ

Carnívora é um thriller policial que se passa no Rio de Janeiro, dentro do fictício complexo de comunidades: o “Morro da Caveira”. Policial Carlos entrou em uma investigação de forma quase suicida atrás de sua noiva, Adriana Lambert, também conhecida como “Drika”. Ela foi sequestrada e todas as provas apontam que Drika está no topo do Morro da Caveira, parte desabitada do complexo, pois seus moradores alegam que é uma região assombrada por criaturas canibais. A obra é escrita e desenhada pelo quadrinista PJ Kaiowá.

O protagonismo da história gira em torno do policial Carlos e da delegada adjunta Jéssica, ambos numa busca cega pela noiva raptada. A novata encabeça a investigação junto com Carlos, mas nos traz uma visão pé no chão sobre o caso sem se deixar levar pela emoção. Uma postura bastante distante do policial veterano e sua equipe, que tem um senso de justiça um tanto quanto duvidoso, transformando o Complexo da Caveira em uma zona de guerra.

As assombrações do “Micro-ondas”, região do topo do morro, são reveladas aos poucos com os relatos dos moradores do Caveira. Em pequenas entrevistas para um jornal local, cada pessoa conta uma história a nível de menções de personagens folclóricos, e todos concordam que existe algo maldito na parte de cima do morro. Tudo é fundamentado pela suspeita do envolvimento de Preto Zinza, um pai de santo que protegia os donos do morro fechando seus corpos, assistiu a trágica morte de seus filhos pela violência policial nas favelas do Rio de Janeiro.

Página 5 — imagem da amostra grátis da HQ

PJ, o autor, nos apresenta um traço diferente de seus outros trabalhos: ele abraça um estilo mais autoral e solta seu lado artístico, com desenhos todos em preto e branco e um traço sujo com sombreado borrado, que combina com a trama da história, transmitindo uma real sensação de tensão. A diagramação de quadros é bem organizada, utilizando páginas duplas para dar mais destaque aos cenários e, em cenas de ação, o autor faz uso de uma perspectiva exagerada com a finalidade de transmitir aquela sensação 3D. Parece realmente que a cena está saindo da página.

Os personagens do quadrinho tem características únicas. Em momento algum são confundidos entre sí. Vale ressaltar também que suas mulheres são bem desenhadas, com corpos diversificados e sem a necessidade de uma hipersexualização. É perceptível o cuidado para desenhá-las com naturalidade em algumas situações delicadas, local em que vários desenhistas por vezes pecam, como por exemplo a atenção dada à queda do tecido leve no corpo, com dobras, e até uma das alças da blusinha caída, deixando a coisa toda bem mais solta.

Da esquerda para direita, Carlos, Drika e Jéssica — Imagem retirada da página do projeto no Catarse

A delegada Jéssica foi um grande destaque para mim: uma personagem feminina com visual um tanto puxado para o mangá, me remeteu a Major Motoko Kusanagi, da obra Ghost in The Shell. Como ela foi recém aprovada no concurso para delegada, ainda tem pouca experiência de campo, o que gera alguns choques de realidade em sua nova e violenta rotina como policial em um sistema falho. Através de sua visão, vamos juntando as peças dos mistérios da trama, tanto do sequestro de Drika quanto das assombrações, que assustam mais os moradores do morro que os próprios policiais e traficantes.

Página 7 -Imagem da amostra grátis da HQ

Kaiowá fez um thriller policial brasileiro tão envolvente que não precisou se apoiar em nenhuma fórmula pronta dos quadrinhos americanos. Mesmo sendo uma ficção, encontramos críticas à polícia que transforma favelas em uma zona de guerra, um confronto brutal que deixa inocentes feridos e crianças mortas. Carnívora tem pontas para histórias extras, mas a obra funciona muito bem como um arco fechado.

A HQ foi um projeto de financiamento coletivo bem-sucedido no Catarse e distribuído pela editora AVEC, formato capa cartão e tem por volta de 120 páginas. Disponível na versão física e digital no site da Amazon.

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Lucas Ferreira
HQnoBlack

Estudante de linguística que quando não está perdido no mundo da lua está lendo quadrinhos e bebendo (muito) café. Cyber Necromancer nas horas vagas. Ubuntu ✊🏾