Uma prosa sobre Damien Chazelle e The Eddy

Lucas Ferreira
HQnoBlack
5 min readMay 19, 2020

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Receber a notícia que Damien Chazelle iria produzir uma minissérie original Netflix foi algo que me deixou muito animado e curioso, quem me conhece sabe que sou fã de carteirinha do cineasta. Antes da carreira no cinema, Damien tentou ser um músico de Jazz e seu antigo amor pelo gênero influencia sua filmografia, evidente em suas principais obras, como:

em Whiplash (curta em 2013, filme em 2014), em que um jovem baterista almeja ser o maior baterista de Jazz da sua geração, e, para isso, precisa lidar com um (carrasco) exigente professor de Jazz que foi inspirado em um dos professores do Diretor;

na bela homenagem ao Cinema, o musical cheio de cores vivas, La La Land (2016), o pianista Seb e a atriz Mia são dois jovens apaixonados que almejam uma carreira de sucesso em Los Angeles. O Casal é a perfeita representação da filmografia de Chazelle, o casamento do Cinema com a Música;

em First Man (2018), podemos enxergar o assunto escondido pelos cantos, a cinebiografia narra a carreira do astronauta Neil Alden Armstrong, que antes de dar os primeiros passos na lua, sempre perambulou pelo mundo da música, chegando a participar de orquestras durante o colegial e codirigir dois musicais durante a vida universitária. O interesse pelo assunto vem de sua mãe, que estudava piano desde os oito anos de idade e era conhecida por seu amor pela música;

por fim, em sua mais nova obra, uma produção francesa original Netflix, The Eddy (2020), criada por Jack Thorne. A produção executiva e direção dos dois primeiros episódios (que pautarão o ritmo da narrativa) têm a assinatura do cineasta. A minissérie é protagonizada pelo musicista negro estadunidense, Elliot Udo (André Holland), e, em oito episódios, nos apresenta o cotidiano dentro de um clube de Jazz e a vida de seus músicos.

Diferente das outras obras produzidas por Damien Chazelle, The Eddy tem um ritmo mais calmo, cotidiano. A minissérie aprofunda-se na narrativa de um personagem por episódio (cada episódio é batizado a partir do nome do personagem em foco) e nos faz acompanhar o dia-à-dia das ruas de Paris, mostrando a vida de cada um para além do clube “The Eddy”, só assim compreendemos suas motivações, como traumas do passado, abuso de drogas e luto, para citar algumas.

The Eddy é a primeira obra de elenco principal e majoritariamente negro que o cineasta participa, uma vez que o Jazz é um assunto sempre em pauta é algo que poderia ser mais recorrente. O Jazz, como toda manifestação cultural de matriz negra, teve a sua origem silenciada e, na maioria das vezes, é representado por um porta-voz branco, sobretudo no meio audiovisual, revelando, assim, o embranquecimento do movimento. Em contrapartida, a minissérie traz pluralidade ao apresentar personagens muçulmanos e negros, tanto estadunidenses como franceses, dialogando diretamente com as raízes do Jazz, nascido no final do século XIX em Nova Orleans, que, na época, juntava diferentes nacionalidades que mal se entendiam em meio a tantas línguas distintas através da música.

A produção nos abre os olhos para a realidade da comunidade muçulmana na França, com os personagens Sim (Adil Dehbi) e Amira (Leïla Bekhti). O jovem Sim vive com a avó em um pequeno apartamento do subúrbio de Paris e tem que se virar para pagar as contas com diferentes trabalhos informais, enquanto, com a visão da mãe solo, Amira, aprendemos um pouco sobre os costumes de sua religião ao acompanhar o rito fúnebre de seu finado marido Farid (Tahar Rahim), que acaba em um gurufim (tradição sambista de cantar e beber em homenagem ao falecido) de jazz em sua casa.

Com uma fotografia que lembra os filmes do começo do anos 2000, a cinematografia combina bastante com o estilo rotineiro da narrativa. Planos longos e com poucos cortes e a movimentação da câmera que perambula por todo o cenário e acompanha os personagens em pequenos planos sequenciais causam uma maior imersão na história como se o espectador estivesse com os personagens na cena.

O drama é um musical que conta com excelentes performances, valendo o ressalte da apresentação da música “The Eddy”, cuja qualidade se dá pela presença de compositores e musicistas no elenco, tal como a experiente Joanna Kulig (Maja), que dá voz à banda de Jazz, e os estreantes Lada Obradovic (Katerina) e Damian Nueva (Jude), que impressionaram com a atuação e o talento musical.

Senti que o roteiro se perde um pouco nos últimos episódios. O arco de Elliot e Katarina sendo chantageados por um agiota se extrapola e atinge o patamar da máfia francesa. Os personagens que mal conseguiam lidar com um simples agiota agora conseguem negociar com o líder da máfia sem muita dificuldade.

Além disso, Elliot teve alguns assuntos inexplorados, como o trauma que o impede de tocar em público, por exemplo. Fica passível de interpretação que o trauma veio da morte de seu filho, mas, com o andar da narrativa, não sinto que os assuntos se interligam.

Mesmo com um ritmo diferente do esperado e acompanhado de algumas lacunas no roteiro, The Eddy é um ótimo drama musical sobre Jazz. Apresentando uma excelente trilha sonora original, a minissérie consegue envolver os amantes do gênero como se fossem passeios pelas ruas de Paris divididos em oito episódios.

Nota do Lucas do futuro: Encontrei informações incoerentes sobre a obra durante a pesquisa. No dia em que The Eddy foi lançada, a obra estava na categoria “minissérie” e todas as propagandas no site reforçavam isso, mas, dias depois, estava enquadrada como “série”, tanto na Netflix quanto na base de dados online, o IMDb. Caso tenha uma continuação que resolva as críticas pontuadas, entendam que essa análise tratou The Eddy como uma minissérie fechada.

Texto revisado por Lucas Nasser.

#FiquemEmCasa

Referências:

HANSEN, James R. First Man: The Life of Neil A. Armstrong. Editora: Simon & Schuster.

GUMBO: Beginnings to 1917 (Temporada 1, ep. 5). JAZZ [Minissérie Documental]. Direção: Kens Burns. Produtora: BBC, 2001.

CARDOSO, Wallace dos santos. O Negro e o Jazz nos EUA. Disponível em:
geledes.org.br/o-negro-e-o-jazz-nos-eua/

Database The Eddy Series Netflix. Disponível em:
imdb.com/title/tt7322210/?ref_=vp_vi_tt

CHARLEAUX, João Paulo. Como funcionam os enclaves islâmicos nos subúrbios da França. Disponível em:
nexojornal.com.br/expresso/2020/01/27/Como-funcionam-os-enclaves-isl%C3%A2micos-nos-sub%C3%BArbios-da-Fran%C3%A7a

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Lucas Ferreira
HQnoBlack

Estudante de linguística que quando não está perdido no mundo da lua está lendo quadrinhos e bebendo (muito) café. Cyber Necromancer nas horas vagas. Ubuntu ✊🏾