Um pouco do que aprendemos em Seattle durante a conferência global da AWS

César Wedemann
HTPC da QEdu
Published in
7 min readSep 13, 2017

Compartilhei em outro artigo como foi a experiência de levar o que estamos fazendo no QEdu para o palco principal da “Imagine: a better World”, uma conferência global organizada na sede da Amazon em Seattle (EUA). Mas neste artigo, gostaria de focar não no que levamos, mas no que trouxemos de volta. Algumas tendências e assuntos apareceram diversas vezes durante o evento e três deles me chamaram mais a atenção: i. a questão da igualdade de gêneros na área de tecnologia, ii. o entendimento do conceito de doação e iii. a profissionalização das organizações sem fins lucrativos.

Slide exibido na apresentação da Gates Foundation mostrando os principais desafios enfrentado por mulheres em função do país e da maturidade econômica em que estão inseridas

A questão do equilíbrio entre homens e mulheres já vem ganhando força no debate há algum tempo. No entanto, me marcou ver a força com que esse tema apareceu nessa conferência e a profundidade com que foi discutido. Em diversos momentos e situações, o assunto voltava aos palcos. A própria Amazon mostrou como tem lidado com essa questão. Teresa Carlson, vice-presidente global da área de setor público da empresa, é um ótimo exemplo. Ela ocupa uma posição de liderança em uma das maiores empresas do planeta, que atua em um setor ocupado majoritariamente por homens. Mas mais do que isso, Teresa apresentou também a iniciativa “we power tech”. Focada em quebrar a predominância de homens engenheiros no setor de tecnologia, a iniciativa visa trazer diversidade não só de gêneros, mas também de cores, crenças, origens e comunidades para a área. Outros palestrantes também trouxeram o tema à tona, gerando um debate qualificado e de alto nível. A Gates Foundation, por exemplo, trouxe alguns dados mostrando a disparidade da presença entre homens e mulheres em alguns cursos universitários, apesar de a performance de ambos os gêneros ser comprovadamente similar (quebrando assim a crença de que um determinado gênero possui mais facilidade em um determinado curso / área do que outro). Ou mesmo o tamanho e a natureza do desafio enfrentado por elas em função do país e da maturidade econômica em que estão inseridas. Mas por outro lado, foi muito bom ver, na prática, alguns sinais que mostram os primeiros passos na direção contrária dessa tendência. Eu me impressionei muito com a palestra da Stephenie Landry, uma das VPs da Amazon que liderou a criação do Amazon Prime Now. Em apenas 111 dias, ela liderou uma equipe que tirou a ideia do papel e fez a primeira entrega da Amazon em menos de uma hora em Nova Iorque. Sem dúvidas, uma grande inspiração e exemplo a ser seguido.

Outro tema que me despertou grande interesse foi em relação ao conceito de doação. Os Estados Unidos é um país que possui uma cultura muito forte de doações e caridade. É comum ver pessoas apoiando causas sociais das mais diversas naturezas. No entanto, o que me chamou a atenção dessa vez foi como encarar doações de uma maneira mais ampla. A My Research Legacy, por exemplo, lidera uma campanha que pede a doação não de dinheiro ou de recursos, mas de dados pessoais sobre a sua saúde. Em uma era onde dados são ouro, pedir acesso às suas informações pessoais para fomentar e refinar pesquisas foi uma abordagem muito interessante que eu nunca havia visto antes. Mas também a discussão de outros conceitos foi algo bastante interessante para refletir. Scott Harrison, CEO e Co-fundador da Charity:water, criticou muito o conceito de "dar de volta" ("give back"). Ele defende o ponto de que não faz sentido você doar para devolver. Ao contrário, nós devemos ter uma mentalidade de generosidade, onde simplesmente doamos. Ponto. Não doamos para devolver ou retribuir. Devemos doar porque esse é um ato de generosidade. E por fim, o pessoal da Digital Divide Data (DDD) também explorou um conceito diferente, que foge da ideia de caridade. Essa empresa social atua em duas frentes: capacitar pessoas na África a atuarem como profissionais de tecnologia e vender serviços de BPO, DevOps, etc. para empresas do mundo inteiro. Frank Heitmann, CEO, comentou da qualidade e capacidade das pessoas do continente africano, mas que muitas vezes ficam fora do radar de contratações de grandes empresas. Assim, ele terminou dizendo que o pedido que ele sempre faz não é monetário. Ao contrário, é de confiança! Ele pede para as empresas saírem do óbvio e expandirem seus horizontes ao procurarem por fornecedores. Uma iniciativa que pode ser pequena, mas que tem transformado a vida de muitas pessoas no continente africano.

Scott Harrison, fundador da Charity:water, durante sua palestra na conferência Imagine

O terceiro grande aspecto que me marcou foi a profissionalização de organizações sem fins lucrativos. Eu particularmente acredito que a distinção entre empresas “que fazem o bem” e aquelas “que fazem dinheiro” deverá deixar de existir. Na minha visão, uma empresa que só mire um desses dois objetivos não pode ser sustentável. Fazer dinheiro é fundamental para que um negócio cresça e siga se aprimorando. No entanto, em uma era onde as gerações estão cada vez mais preocupadas com propósito e trocando empregos tradicionais por aqueles que tragam mais significado, não consigo conceber empresas que não se preocupem também em fazer o bem para a sociedade. E ver esse grupo de empresas amadurecendo e se profissionalizando é algo que me deixou bastante animado na conferência. O melhor exemplo que vi nesse sentido foi o da Charity:water, liderada pelo Scott Harrison. O trabalho que eles fazem com prospecção e tratamento de água na África é absolutamente espetacular. No entanto, o que me chamou a atenção é como eles lidam com os “clientes” deles — no caso, os doadores. Ao contrário de muitas outras organizações de caridade que, nas palavras do Scott, “vêem os seus doadores como um mal necessário e só voltam a eles para pedir mais dinheiro, e nunca para dar satisfação”, a Charity:water encara seus doadores como usuários. Assim, a organização realiza diversas iniciativas para envolvê-los na causa e tê-los como verdadeiros parceiros. Essas ações estão presentes na cultura da empresa, com alguns valores apontando claramente nessa direção:

  • Design: tudo — mesmo os documentos internos — tem que ser feito com um bom design para que possa ser facilmente lido e compreendido. Isso não apenas facilita a comunicação — interna e externa -, mas aumenta a transparência da organização
  • Baixa tolerância a typos (erros ortográficos): ao perceber que as organizações de caridade estavam caindo em descrédito nos Estados Unidos, Scott definiu uma política rígida de revisão de documentos. Segundo ele, erros na escrita passam uma sensação de desleixo, de baixo profissionalismo, o que é algo que ele não tolera na Charity:water
  • Mentiras não são aceitas: quer ser despedido da Charity:water? Minta! Não importa se é uma mentira pequena ou grande, elas não são toleradas. Se uma secretária, por exemplo, falar que alguém não está no escritório apenas para não transferir uma ligação, isso já é motivo suficiente para uma saída com justa causa. A Charity:water valoriza a integridade e isso é refletido de forma prática em seus valores

Mas mais do que isso, a Charity:water tem desenvolvido outras formas práticas de envolver os seus doadores na causa. Em um dos jantares de gala que organiza, por exemplo, a organização transmitiu em tempo real a abertura de um poço de água na África. Ao ver a água jorrando pela primeira vez em tempo real, os doadores se engajaram mais na causa e tiveram uma percepção real da emoção vivida naquele momento. Esse tipo de prática é constante e para todos os doadores. Por menor que seja sua doação, você sempre terá acesso a fotos, vídeos e depoimentos do que e como está sendo feito com a sua contribuição. Isso tem incentivado pessoas a se engajarem mais e a participarem de forma mais criativa na arrecadação de fundos. Mas não foi só na Charity:water que a questão da profissionalização ganhou força. Ver como tecnologia de ponta — como inteligência artificial e IoT (internet das coisas) está chegando a esse setor é animador. O pessoal da AARP compartilhou um pouco como estão usando essas tecnologias para, por exemplo, ajudar na distribuição e monitoramento de vacinas. Tecnologia de ponta para causas simples, mas que podem — e estão! — salvando muitas vidas ao redor do mundo.

Ter participado da Imagine foi uma experiência muito rica para nós do QEdu. Pudemos não só compartilhar com o resto do mundo o que estamos fazendo, mas também conhecer mais sobre outras iniciativas e tendências de sucesso. Como uma startup que tem nos seus valores o aprendizado constante, nós pudemos ser desafiados ao conhecer organizações tão diferentes da nossa, mas que compartilham muitas coisas em comum. Voltamos desafiados e empolgados a pensar ainda maior e a seguir trabalhando duro para ajudar a melhorar a educação do nosso país usando tecnologia e dados. Como disse o Frank Heitmann, da DDD: “juntos nós podemos empoderar o potencial humano. A tecnologia pode resolver todos os tipos de problema, especialmente aqueles nas partes do mundo que mais precisam!”. Nós compartilhamos desse pensamento e estamos animados de seguir avançando nessa direção ao focar na educação pública brasileira! E se você também acredita na causa, não deixe de aplaudir e compartilhar este post nas suas redes. Seu suporte é fundamental para espalhar o sonho de incorporar tecnologia nas escolas públicas para ajudar a melhorar a educação brasileira!

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César Wedemann
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