A imagem que fica não é a que se vê
Minhas fotos pessoais são textos cujas palavras só eu sei traduzir. Consigo lembrar exatamente o instante em que cada imagem foi capturada. Mais do que isso. Consigo sentir o cheiro da pessoa, do lugar, ouvir os sons que haviam naquele momento. Se estava frio ou calor. O clima, sem ser o meteorológico. Não gosto dos autorretratos, talvez eles sejam os piores de rever. Porque eu sinto tudo de novo—inclusive as coisas que queria apenas esquecer.
Às vezes procuro refletir que hoje tudo está melhor. Ainda assim tem uma ponta de culpa por não ter me achado bonito naquele dia, por não ter aproveitado melhor determinado momento, por não ter percebido que por trás daquele sorriso havia um buraco sombrio sugando toda a minha energia e me impedindo de sentir as múltiplas belezas à minha volta. Culpa, uma velha e mal-quista amiga.
Caramba, desde aquele tempo eu estava com depressão e não percebia. Quantas e quantas fotos atrás. Simplesmente não sabia. Hoje, livre dela, a reconheço como um verniz sobre cada uma das minhas fotografias. Uma película que ninguém vê, só eu, que a carregava sem saber nem querer.
Hoje gosto mais de autorretratos. Até parei de me "cortar" das selfies, especialmente as que faço com meus filhos. É injusto com eles. Fotografia, enquanto memória, enquanto contadora de histórias, não deve ser censurada. Quando eles reverem as fotos quero que saibam (e vejam) que seu pai sempre os amou incondicionalmente e com muito orgulho.
E, ao me deparar com memórias de tempos sombrios, me alegro ao lembrar que eles se foram. Passou. Estou curado. Textos mais felizes voltaram a ser impressos secretamente em cada imagem.