Queen & Slim, violência,população negra e coisas da minha cabeça.

Texto: Igor Gabriel

Igor Gabriel
Humanitá
4 min readMay 12, 2020

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Dirigido pela estreante no cinema Melina Matsoukas, e escrito pela vencedora do Emmy Lena White, Queen & Slim (2019) narra a fuga de um casal negro pelas estradas dos Estados Unidos após um deles assassinar um policial branco, abusivo, em legítima defesa. O casal que acabara de sair do primeiro encontro, na volta para casa após uma pequena infração de trânsito, são parados por um policial que se altera durante a ação e acaba abrindo fogo contra a Queen (interpretada por Jodie Turner-Smith), o que leva Slim (Daniel Kaluuya, de Corra!) a partir para cima do policial provocando o assassinato. Após o incidente, a jovem advogada propõe que os dois se escondam na casa do seu tio, em New Orleans, e que de lá possam fugir do país. Entretanto, eles não contavam que iria vazar um vídeo do assassinato e esse vídeo iria transformá-los em exemplo de resistência para uns, e de horror para outros.

Print retirado do filme

O filme mostra a fuga de seis (06) dias do casal que passam por cidades como Cleveland e New Orleans até chegarem na Flórida. Acompanhado por uma trilha sonora mágica (com Ms. Lauryn Hill, Lil Baby entre outros), cercado de debates profundos sobre as instituições, raça e racismo, a obra nos incita a refletir e promover uma relação entre o filme e os altos índices de violência sofrida pela população negra no Brasil.

Microdados do Instituto de Segurança Pública (ISP)

No dia oito (08) de fevereiro de 2019, dois irmãos, Roger dos Santos Silva (18 anos) e Victor Hugo (16 anos), foram mortos junto com outros sete (07) homens pelo Batalhão de Choque da PM no Morro do Fallet (RJ). De acordo com as testemunhas, os jovens não reagiram a ação policial e mesmo assim foram executados pela PM e viraram parte da estatística de negros e pardos mortos pela polícia do Rio de Janeiro no ano de 2019, que foi o primeiro ano de mandato do “governador dos fuzis”, Wilson Witzel famoso pela frase

“A polícia vai mirar na cabecinha … e fogo”.

O atual governador, surfou na onda de Bolsonaro, que se elegeu com discursos carregados de racismo e promoção da violência contra as minorias.

De acordo com o Atlas da Violência, em 2007, 75,5% das vítimas de violência eram negras, os dados também apontam que, entre 2007 e 2017, a taxa de letalidade de negros cresceu 33,1% e as de não negros variou somente 3,3%.

Esses percentuais corroboram que a violência no Brasil possui cor e classe social.

Destaco que essa violência só vai diminuir quando os poderes reconhecerem que a desigualdade racial e social rege a nossa sociedade desde a escravidão.

E que elas são as principais causas do aumento da violência contra as minorias como mulheres e negros e que é preciso combatê las em todos os âmbitos, por meio de políticas públicas, educação e da conscientização das instituições que ainda enxergam o corpo negro como uma ameaça ou como algo inferior, um exemplo é a tentativa de aprovação do pacote anti crime do ex ministro Sérgio Moro que promoveria o aumento do encarceramento e morte de pessoas pobres e negras, além de aumentar a violência sofrida pelos moradores de comunidades que são obrigados a viver diariamente sobre a ditadura policial do Estado mesmo após a instalação das UPPs.

Print retirado do filme

No filme, os personagens sofreram violência policial e viraram os mais procurados dos Estados Unidos apenas por serem negros. E mesmo depois de terem assassinado o policial, os protagonistas receberam apoio da comunidade negra (que, no fundo, percebia que qualquer pessoa de cor daquela cidade poderia estar naquela situação) e se transformaram em um símbolo de resistência contra a violência policial (como é mostrado em uma cena linda e, ao mesmo tempo, trágica de um protesto).

O final do longa não é nada surpreendente para quem é negro, o jovem casal é alvejado em uma pista de avião na Flórida sem nenhuma chance de defesa. A cena foi marcada por duas falas que ficaram martelando durante dias na minha cabeça.

Print retirado do filme

- Nunca vou largar suas mãos.

- Se eu tivesse tido a chance, teria beijado todas as suas cicatrizes.”

Queen & Slim me trouxe renovação, amor, tristeza e amadurecimento , a mensagem que ficou desse filme é de que devemos amar e proteger os nossos, porque o Estado não quer o nosso bem.

É péssimo pensar que a qualquer hora uma Queen ou um Slim brasileiros podem ser vítimas de violência e se transformarem em estatística por causa da sua cor e sua classe social, como Victor Hugo, Roger e tantas outras vidas perdidas.

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Igor Gabriel
Humanitá

Estudante de Ciências Sociais, educador popular e falante.