Qual o som que o Trico faz?

Hynx
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6 min readFeb 1, 2017

Recentemente terminei The Last Guardian e foi uma das primeiras vezes nos últimos anos que eu joguei um título muito aguardado e comentado após o assunto já ter dado uma esfriada. Antes, quando eu achava que estava protagonizando um Shonen de análises de Videogame, sonhando em analisar todos os jogos que eu colocava a mão e ser o maior reviewer do Brasil, eu acabava publicando meu texto antes de ler ou assistir a opinião de outros. Agora o sonho acabou e minha carreira de jornalista de jogos digitais é comparável ao que será a carreira de treinador Pokémon do Ash quando ele tiver a minha idade e nunca tiver chegado na Elite 4. Resumindo: antes mesmo de ter começado o jogo eu já sabia a opinião geral da galera sobre ele e tinha lido todas as horrendas análises (principalmente as brasileiras) sobre o mesmo.

Isso não mudou de forma alguma o jeito que eu vivenciei o jogo, mas gerou algumas dúvidas sobre a maneira que a galera procura se expressar quando tenta expor sua opinião para outros em forma de análise. Não que minha habilidade em escrever análises seja soberana, ou que eu nunca tenha escrito coisas vergonhosas por aí, mas eu já perdi campeonatos Pokémon o suficiente para filosofar sobre como vencer.

Primeiramente, vamos explorar um pouco o meu próprio ponto de vista sobre o jogo que me fez questionar os pontos abordados nesse texto. The Last Guardian é um título que vive por sua narrativa e consegue usar a própria história que está contando (a de um menino em uma jornada ao lado de um “monstro”) para desenvolver suas mecânicas básicas. Você não joga com o tal “monstro”, Trico, diretamente, mas ele é parte chave na maneira como o jogador desenvolve a sua forma de pensar dentro do jogo.

A lógica aqui é: se Trico não atende aos seus comandos de maneira direta através do controle, tudo o que ele te demonstra (incluindo afeição pelo seu avatar em forma de menino) não é escolha sua, mas reflexo da convivência entre vocês. Se ele decide chorar por você ter sumido por alguns instantes, não é porque você apertou um botão para ele chorar, ou aumentou o algum status de carisma do seu boneco, mas por vontade própria. É óbvio que isso não é toda a verdade que acontece por trás da programação e lógica do jogo, mas é isso que The Last Guardian quer que você sinta, e fazer sentir é o principal alvo desse título.

Então, enquanto você observa um animal mítico desenvolver sentimentos e criar personalidade sem uma linha de fala, ou criar laços sentimentais com o garoto (e por tabela com o jogador), você realmente consegue prestar atenção ou se importar com o frame rate do jogo ou com detalhes técnicos? Essa é a minha primeira pergunta aqui e talvez a mais abrangente.

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Veja bem, eu não faço tal pergunta com sarcasmo. Reformulando a pergunta de maneira mais clara: foram os detalhes e rebarbas técnicas que definiram sua experiência dentro do jogo? Acreditando que análises nada mais são do que opiniões parciais que refletem o resultado da história pessoal do escritor ao absorver uma obra, não é difícil imaginar que essa sensação de falha técnica possa ter sido realmente o que alguém sentiu como sendo a essência do jogo em questão.

Mas é muito importante que esse sentimento expressado seja parte crucial do que você quer passar para o leitor como sendo a sua experiência em forma de texto, vídeo ou de qualquer outra mídia final que vá atingi-lo. Eu normalmente tento expressar tudo o que tenho para dizer sem me prolongar muito para sintetizar bem o que eu achei que valia a pena ser escrito sobre qualquer tema. Eu gosto de reler meus próprios textos e ver neles uma definição clara do que eu senti ali, no final de tudo, depois de mastigar, engolir e digerir o assunto principal daquilo que estava prestes a escrever sobre.

Quando eu digo que é importante medir o que se detalha em uma análise, não significa que eu me importe em como sua opinião repercute ou ecoa no mundo; nem em como seus leitores recebem suas análises. Mas o que você detalha ali demonstra não só sua opinião, mas o seu objetivo de se expressar como um todo. O que me faz soltar a segunda pergunta: para que você busca se expressar?

Você jogou um videogame, assistiu um filme ou leu uma revista em quadrinho e poderia muito bem ter parado só nessa camada, mas decidiu que seria uma boa ideia dizer algo sobre isso. Eu entendo que muitos que acabam tendo essa decisão trabalham com isso, então dependem diretamente de gerar esse tipo de conteúdo. Mas, mesmo assim, ainda existe um motivo. Se você está escrevendo um artigo mais técnico ou um guia de compras não é errado expor ao leitor os problemas que ele pode encontrar em uma obra como sendo um produto. Agora, fora desse escopo, para que apontar coisas que não engrandecem e colorem sua análise?

Quantas vezes eu mesmo não cheguei a escrever que nem tudo era perfeito em um jogo, ou apontar coisas que nem realmente me incomodaram simplesmente porque temos aquela ideia que é isso que se espera, ou que temos algum dever em informar além de simplesmente expor. Quando você diz que o jogo é cheio de falhas, mas ao mesmo tempo é lindo e emocionante (ainda mais quando os dois tomam a mesma proporção dentro da sua composição), um desses dois elementos soa como um pedido de desculpas para alguém. “Me perdoem por ter achado algumas falhas nesse jogo que deveria ser sensacional” ou “desculpas por ter gostado tanto desse jogo que todos deveriam odiar”.

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Uma vez me perguntaram em uma análise minha do The Division porque eu não havia mencionado as enormes filas que a galera encontrou no jogo nos primeiros dias. Para mim era óbvio que eu não deveria ser algo que devia estar no meu texto, não foi um deslize da minha parte não mencionar uma falha do jogo que todo mundo já tinha ciência, e que não fez sequer parte da minha experiência como jogador (eu comecei a jogar alguns dias depois). Mas ainda hoje se propaga de tal forma que análises devem ser imparciais cálculos de recepção de público e relatórios frios e temáticos, que até o público mais malhado ainda busca isso nos conteúdos que consome.

Quem cria análises hoje está acostumado a falar entre grandes hipérboles, usar de analogias e ângulos mirabolantes para expor seu ponto de vista (já que está na moda); mas ainda disseca sua abordagem em setores obrigatórios tão idiotas quanto os do passado. Os antigos fatores “replay” e “diversão” se propagam até hoje cada vez que alguém se sente obrigado a falar sobre narrativa ou tecnicalidades abstratas sem nem mesmo acharem que aquilo foi algo relevante a ser dito. Você não está sendo informativo, nem sincero, você só não está pensando e agindo por conta própria. Não está criando, está repercutindo padrões.

Tudo isso culmina na pergunta mais essencial: por que você se expressa? Não é para que, nem para quem? Mas por que? Se sua única desculpa é seu salário mensal previamente mencionado, ou o fato das pessoas procurarem ler o que podem ler em centenas de outros lugares, quem sabe você deveria simplesmente parar. Praticamente todas as análises de grandes sites brasileiros que eu li sobre The Last Guardian tocavam nos mesmos pontos e desgastavam as mesmas notas tristes de pessoas que simplesmente escrevem por escrever. “É um jogo famoso”, “as pessoas estão esperando”, ”eu tenho que escrever”. Cliques, visualizações, comentários, notas.

Se a experiência de qualquer um realmente for a expressada ali, seria esse meio termo confuso e sem sal de alguém que não sabe bem o que sentiu, ou não tem certeza se pode dizer abertamente o que sentiu. Quem sabe no meio da pressão dos prazos de entrega, da espera que o público acaba gerando e do impacto que você imagina ter com sua opinião, você não tenha tido nem tempo de sequer ter sentido algo ao jogar. Você deixou de produzir porque jogou, você agora joga para produzir. Joga, assiste, lê, consome, o que for, você vive para entregar e publicar.

Eu não sei a resposta definitiva de nenhuma dessas perguntas expressadas aqui, na verdade. Nem sei se essas divagações podem ter alguma base. Entretanto, um jogo com um monstro meio gato meio pássaro me fez questionar toda essa vastidão de coisas sobre o mundo real, e eu achei que seria importante colocar em forma de texto. Acho que isso resume bem o que eu senti ao terminar The Last Guardian.

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