Resident Evil: Biohazard

Hynx
Hynx-Archive
Published in
6 min readFeb 8, 2017

Dizer que Resident Evil foi o pai do Terror e do Horror nos jogos digitais é forçar um pouco a barra. Mas com certeza foi aquele tio que faz questão de comprar umas cervejas escondido pra gente na adolescência e conta histórias de quando era jovem e muito mais radical que você. O tipo de jogo que visava assustar e horrorizar já estava vivo e bem criado quando ele surgiu, mas precisava muito das influências e ideias que a franquia trouxe. Por trás de todo aquele ar despretensioso de um filme trash das madrugadas da rede Bandeirantes, a ambientação e cenários icônicos dos primeiros jogos, em conjunto das interessantes ideias de design, praticamente criaram um conceito do que deveria se esperar de um jogo de terror de qualidade nos anos seguintes.

É bacana contar a história de como Resident Evil surgiu no ramo de jogos assustadores em toda análise de um jogo da franquia, pois isso coloca as coisas em perspectiva na cabeça das pessoas perante o contexto atual. O terror nos jogos tomou seu próprio rumo, bem longe dessa segunda base metafórica apresentada no primeiro parágrafo; e a franquia de Zumbis foi mudando ano após ano sem saber bem para onde ir ou o que queria para si. Nos últimos anos estávamos em um mundo onde o público achou P.T. fantástico e, olhando em retrospecto, eu sinceramente não sei dizer se isso foi culpa do demo ter a mão do Kojima ou do estado degradante que esse nicho de jogo se encontrava.

A ideia de que Resident Evil estava tentando surfar na onda levantada pela famosa demonstração de Silent Hills, algo que parecia óbvio pelos passos que a Capcom estava dando antes do lançamento do novo jogo, não me caiu muito bem. Embora eu acreditasse que algo precisava (ou podia) ser feito com a franquia, se tornar uma mera resposta às aclamações do público por um produto que não iria mais existir é uma ideia horrenda.

Fico feliz por minhas presunções estarem erradas, pois o único momento que Resident Evil: Biohazard (ou Resident Evil 7 para os menos chegados) se beneficia de comparações externas à franquia é no marketing. Desde suas primeiras horas o título demonstra capacidade de aprender com tudo o que rolou desde quando estabeleceu sua marca até o presente; bem como uma impressionante ciência do que estava faltando ou fora do lugar em alguns dos seus piores momentos passados.

001

Mas vamos por partes. O início do jogo, e alguns momentos entremeados no meio da história, possuem elementos dos títulos mais atuais jogos de susto (não consigo chamar de outra coisa) onde o protagonista pode apenas fugir e se esconder. Mas o fluxo do jogo nessas partes acaba funcionando mais como um esconde-esconde do que uma navegação de um ponto a outro com diversos sustos estáticos impossíveis de evitar pelo meio do caminho, que é o modus operandi da moda.

O próprio andamento do jogo, em conjunto com a velocidade de movimentação do personagem, funciona muito bem para essa proposta. Raras são as vezes que você precisa correr sem olhar para trás, sendo muito mais importante andar com cuidado e estar atento ao que acontece ao seu redor. Poder ver quem está te procurando sem necessariamente chamar a atenção desse inimigo, ou ter automaticamente algo pulando na tela ao menor erro, cria um ambiente muito mais pesado e terrífico. Você tem medo pelo seu personagem, e não só receio de levar algum susto bobo.

E veja bem: não é que o jogo seja completamente livre de sustos, mas eles são muito pontuais e marcantes, bem no estilo dos antigos jogos da série. Assim como o clássico cachorro quebrando a janela no primeiro jogo, esses momentos servem para gerar cenas de tensão seguidas de trechos onde o jogador realmente precisa agir. Eles também nunca aparecem seguindo sempre a mesma fórmula, variando no motivo e situações nas quais se apresentam para evitar que o jogador crie um padrão em sua mente e já saiba o que esperar.

Todo esse empenho para criar essa ambientação seria meio inútil sem um motivo real para navegar no meio dessa zica toda. Por exemplo: você sobe uma escada, e na entrada de uma porta que você precisa entrar (ou simplesmente acha que precisa) tem uma velha moribunda que não estava ali antes. O jogo passou a sensação de “eita porra” que queria, mas o que leva você a continuar seu caminho? É aqui que as coisas realmente começam a se diferenciar dos jogos atuais do mesmo tipo nicho.

003

Quando os jogos começaram a perder em horror e terror para aumentar os níveis de susto e desespero, com eles foi-se embora muito do motivo pelo qual você está dentro daquele mundo virtual disposto a sofrer ao lado do personagem que está controlando. Achar cinco folhas de caderno espalhadas por uma floresta ou sobreviver uma noite inteira não são motivos, são cenários que você é colocado de maneira forçada para se assustar durante o período de tempo que está dentro deles. A recompensa por passar por essa experiência toda acaba sendo tão rala quanto seu propósito, explicando o porquê do público que aprecia esse jogo procurar filmar sua experiência e colocar no YouTube. Na falta de algo substancial em retorno dos seus sustos, eles buscam a reação do público e interação social externa como pagamento pela gratificação que ficou faltando dentro do jogo.

Em Resident Evil você sempre está atrás de algo no seu caminho, em posse de um objetivo que faz sentido para o jogador e que tem um retorno claro ao ser completado. A história ainda é trash e brega como de costume na franquia, mas ela te entrega um motivo prévio para tudo começar a acontecer, uma razão para seu personagem continuar em meio a toda aquela merda, e uma resolução final clara. São pontos básicos, mas que atualmente se encontram em falta, em meio à busca das produtoras por reações mais chocantes em vídeos produzidos por fãs.

Da mesma forma, o jogo sempre te coloca na busca de algo, mas te satisfaz ao conseguir encontrar o que estava procurando. Se são itens aleatórios para resolver algum puzzle (por mais simples que esse mistério seja) eles te levam adiante na narrativa e a explorar novos ambientes. Se são suprimentos, esses ajudam que sua busca se transforme em momentos mais relaxados e confiantes em futuras explorações. Os reais motivos pelos quais se atravessa os horrores propostos acabam funcionando como um
incentivo que faz o jogador continuar interessado no jogo.

002

Com esse tipo de cuidado as escolhas feitas para o design do jogo vão se encaixando, com todos elementos funcionando bem em conjunto. O combate acaba funcionando tanto como um obstáculo na progressão quanto como um incentivo para a exploração; e esse acaba sendo intensificado pela transição da familiar perspectiva de terceira para primeira pessoa; que acaba ganhando novos significados com as mecânicas das fitas cassete. Enfim, tudo se liga muito bem e o resultado é muito gratificante e gostoso de jogar.

No fim das contas, Resident Evil se mostrou um jogo muito bem feito, que demonstra uma lucidez muito grande do seu escopo e do que deseja entregar ao jogador. Mas nada disso que ele faz é revolucionário. Não precisava ser. Vendo tudo o que eu realmente apreciei no título, é como se eu estivesse analisando aqui o primeiro jogo da franquia. É como se com esse jogo a Capcom tivesse reaprendido a fazer Resident Evil, lembrando exatamente qual era a receita para deixar ele com esse gosto específico.

Não ouso dizer que ele será padrão para os outros jogos de terror e horror que virão como a série foi no passado, mas espero de coração que ele sirva de base para a inevitável continuação da franquia. Não é também um substituto definitivo para as definições do estilo de jogo que ele se propõe a ser, mas entre os sustos e horrores que proporciona, Resident Evil: Biohazard demonstra um carinho especial pela tenebrosidade apresentada por ele. Um sentimento absurdamente raro e escasso atualmente na sua área.

--

--