Stardew Valley

Hynx
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4 min readApr 12, 2016

Texto publicado inicialmente no GAMESFODA.

Eu não queria jogar Stardew Valley. Quando vi o jogo no Steam não achei tão bonito pelas fotos e achava já ter esgotado completamente meu saco com jogos de fazenda com os Harvest Moon do Super Nintendo, Playstation e Nintendo 64. Mas eu tinha uma graninha sobrando na minha carteira e acabei pegando.

Abri o jogo e vi que o começo era diferente do que você está acostumado em Harvest Moon, com uma narrativa mais detalhada por trás dos motivos de você ter ido até a fazenda. Logo em seguida, entretanto, cheguei à fazenda “Pau Juva”, que estava completamente debulhada de mato, pedras e arvores. Um clássico dilema de jogos assim, e exatamente o que eu não queria ter que passar novamente.

O prefeito da vila me deu um pacote de sementes, mas junto com isso me pediu uma coisa que normalmente ficaria a meu critério em outros jogos do tipo: cumprimentar todos os membros da vila. Pensei que era um pedido razoável e poderia atendê-lo, era algo diferente do que eu estava esperando. Saí pela vila dando oi para todo mundo que eu encontrava.

No meio desse caminho para conhecer todos me surpreendi com o tamanho do mapa, o número de pontos de interesse e caminhos ainda fechados que eu encontrava, ou simplesmente lugares que eu ainda não sabia para o que serviriam. Estava esperando uma versão mais modesta de um jogo consagrado, mas ao ver tudo aquilo que compunha a parte inicial do jogo me pareceu muito mais do que isso.

A partir daí foi inevitável não começar a notar o quão especial o jogo era em cada um dos seus detalhes, na diversidade entre os personagens, no design do mapa, nos detalhados porém simples menus do jogo. Fiquei absurdamente surpreso com esse breve passeio que dei pela cidade, e ao chegar de noite em casa pensei: “Poxa, não vou desperdiçar essas sementes aqui, vou plantar”.

E nossa, mais uma surpresa: plantar e usar as ferramentas com um mouse e um teclado, da maneira como foram programadas no Stardew Valley, é muito melhor do que qualquer outro jogo desse tipo. A possibilidade de você cavar ou regar nos oito quadrados adjacentes sem se mover é algo que me fez absurdamente feliz, ao me lembrar de que nos outros Harvest Moon que eu havia jogado você começava regando apenas o quadrado à sua frente.

Sei que parece que eu estou usando a comparação entre esse jogo e o outro mais famoso de uma maneira muito constante, mas é exatamente isso que Stardew Valley faz o tempo todo: ele tenta te mostrar que é um jogo independente de tudo aquilo que foi baseado. Ele precisa te fazer acreditar que é uma experiência que faz valer a pena o trabalho de limpar uma tela inteira de folhas e galhos de novo para vivenciar.

Ele começa com essa desculpinha de você ter que visitar todo mundo para que até mesmo a pessoa mais desinteressada em jogar o título (como era meu caso) veja que o que tem em mãos não é pouca bosta. Ele te dá um pacote de sementes logo de cara para que você nem mesmo precise procurar a loja para experimentar o quão fácil é plantar com as suas mecânicas. O jogo está constantemente lhe puxando pela mão para tentar novas coisas e ver o quão legal foi aquilo que o desenvolvedor colocou ali.

Quanto mais você se envolve e conhece o jogo mais fica curioso sobre seus limites e acaba se surpreendendo com coisas novas surgindo sempre. Mas, quando se acabam todas as surpresas e o fluxo do jogo está bem estabelecido na sua cabeça (o que só acontece lá pelo meio do segundo mês dentro do jogo), o que continua brilhando são dois pontos claros.

O primeiro é a megalomania de seu criador, Eric Barone. São muitas sementes, peixes, plantas, árvores, monstros e itens. Dá umas três ou quatro voltas na quantidade de conteúdo que se espera de um jogo independente e acaba ultrapassando seu mestre Harvest Moon nesses números e detalhes. Você consegue ver claramente que o desenvolvedor esteve constantemente se pressionando e empurrando tudo o máximo que conseguiu para um próximo patamar.

O segundo ponto é que, embora o criador claramente seja um fã da série abundantemente mencionada nesse texto, ele não se acomodou em simplesmente seguir seus padrões. Ele sempre questiona se a maneira feita antes era a melhor, e na maioria das vezes acaba aprimorando muito a experiência. Seja nas minas agora habitadas por monstros ou na possibilidade de andar por cima das plantações (com indicação por ícone para qual cultivo você não pode andar por cima), por exemplo, Stardew Valley sempre está tentando polir tudo ao máximo. Embora as decisões não sejam revolucionárias ou únicas, esses pequenos detalhes deixam o jogo muito mais especial.

Acho que não estou exagerando nesses últimos parágrafos, tendo em vista que joguei mais de setenta horas e ainda não vi tudo que o jogo tem para oferecer.

Se eu fosse procurar algum detalhe para criticar (de modo até injusto, pois acabei de elogiar a quantia de elementos no jogo), seria que os eventos entre o primeiro e o segundo ano deveriam ser diferentes. Explico: dois anos é o tempo que se leva para “terminar” o jogo, acontecendo algo importante no primeiro dia do terceiro. Entretanto, todos os eventos do primeiro ano repetem-se de maneira idêntica no segundo, com as mesmas falas e mesmos prêmios. Com tantos elementos extras, detalhes e esse esforço todo para polir o conceito constantemente, acredito que a criação de eventos novos ou de situações novas nos eventos existentes o ajudaria a ser ainda mais sensacional.

Enfim, veja como são as coisas: eu comecei nem querendo jogar, e terminei reclamando que deveria ter mais. Esse é o nível de potencial que Stardew Valley tem em cativar e em se provar acima de qualquer julgamento. Ele fica acima até mesmo da tão conceituada e estimada “originalidade”, mostrando que se você tiver paixão e empenho suficiente, pode fazer até mesmo algo banalizado se tornar especial.

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