Au revoir, França

Os franceses mostram como é difícil esquecer as glórias do passado e encarar de frente a decadência. Bônus: dez razões para não ir.  

Guilherme Ravache
I. M. H. O.
3 min readOct 22, 2013

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Semanas atrás viajei para a França. Estive em Cannes a trabalho por alguns dias. Mas, diferentemente do que se possa imaginar, da Côte d’Azur imortalizada pelo cinema, resta pouco do luxo e do glamour.

Apesar de estar em um hotel “bacana”, não havia telefone ou frigobar no quarto. Água? “Só no mercado”, diz a jovem na recepção me olhando como se eu estivesse pedindo um champagne Armand de Brignac. Telefone celular? Mais fácil encontrar um francês fã dos Estados Unidos do que uma conexão estável. E se comprar um chip pré-pago da operadora local, prepare-se para um processo junto ao governo para se registrar como o dono da linha. E tudo em francês, sem opção por outra língua. E o maior dos seus erros seria entrar em uma loja da operadora de telefonia esperando por ajuda. Ou ela estará lotada e exigirá mais de uma hora de espera (Orange) ou vazia (SFR), mas com os funcionários conversando. E talvez, após alguma insistência, você consiga até interromper o papo e ser ouvido. Mas enquanto fala, descobrirá como se sente um lunático vestido de Napoleão Bonaparte discutindo a conquista da Europa. Afinal, apenas um louco estragaria um bate-papo imaginando ser atendido, não é mesmo?

Os franceses parecem viver um complexo de Norma Desmond, a protagonista de Crepúsculo dos Deuses (Sunset Blvd., de 1950). No filme, o jovem roteirista Joe Gillis encontra Norma, uma atriz decadente que décadas antes fez sucesso em Hollywood. A ironia da história surge do campo de distorção da realidade que Norma criou para viver. Tudo para permanecer nos dias de glórias que já não existem. Ao interagir com os franceses eu lembrava de Norma e diálogos como esse:

Joe Gillis: Você é Norma Desmond. Você costumava estar nos filmes do cinema mudo. Você era grande.

Norma Desmond: Eu continuo grande. Os filmes é que ficaram pequenos.

É isso. Para os franceses a França não ficou pequena com a globalização. O mundo é que ficou pequeno para a França. Obviamente, é arriscado generalizar. E falo mais de uma sensação do que um fato. Mas listo algumas notas de minha viagem. Ou dez razões para não voltar:

  • Em algum lugar do passado a França talvez tenha sido glamourosa e interessante. Mas se de fato foi, ficou no passado.
  • É um daqueles lugares que você sente mais prazer de ir embora do que de estar.
  • Os franceses acham que o turista é um incômodo (mesmo sendo uma das poucas indústrias que ainda é competitiva).
  • A França é cada dia menos relevantes em um contexto global e não consegue perceber.
  • E dificilmente os franceses vão compreender, são vítimas do mito que se criou em torno deles. Realmente se acham superiores, apesar dos números mostrarem uma economia cada vez mais decadente.
  • É assombroso o número de pedintes nas ruas (Nice, principalmente).
  • Espanta a pouca quantidade de jovens e o grande número de idosos.
  • Certamente ainda há muitos turistas deslumbrados com um ideal da França, mas à medida que comecem a viajar para outros destinos, vão excluí-la do roteiro.
  • Será um destino popular por diversos anos, mas principalmente entre quem nunca foi. Vale mais por curiosidade do que prazer. (O viajante com mais experiência, e que gasta mais, tende a buscar conforto e conveniência. Logo, a Ásia parece fazer mais sentido).
  • Por último, a culinária francesa anda melhor fora da França do que em seu berço.

E aparentemente não sou o único crítico do atual estado da França. Esses chineses não entendem porque os franceses trabalham tão pouco.

Mas há esperanças. Pela minha experiência, os imigrantes podem dar novo ânimo no país. Nas poucas vezes em que vi um atendimento de qualidade ou negócio operando de maneira eficiente havia algum imigrante envolvido. Isso ajuda a explicar o fato de muitos franceses verem os imigrantes como uma ameaça. E certamente, à medida que a crise aumente, o nacionalismo deve se tornar maior.

Mas a França já fez uma revolução. Pode fazer outra. Felizmente, ao contrário de Norma Desmond, um país pode voltar aos tempos áureos.

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Guilherme Ravache
I. M. H. O.

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