Tom & Jerry, “Duel personality “ (1966)

Desenhos Animados e Formação Moral

Na tenra idade, sabemos que desenhos animados vão fazer parte dos estímulos iniciais de qualquer criança.

Raphael Rios Chaia
I. M. H. O.
Published in
5 min readJun 7, 2013

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Domingo foi dia de reunião com a família para comer churrasco, falar besteira e dar risadas. No meio da conversa, meu irmão mais velho (que já é pai), comenta sobre um novo desenho que estreou num determinado canal de TV por assinatura, em que monstros e robôs se digladiam, mas no final, “tudo fica bem porque eles têm bacon” - e os protagonistas comem montanhas de bacon num prato.

Não deu pra não deixar de pensar em como os desenhos da minha infância se importavam em passar uma mensagem para os menores que lhes fosse realmente útil na formação de sua personalidade. Claro que muitas vezes a mensagem vinha de forma sutil, quase subliminarmente, mas eram de fato muito, muito eficazes.

Lembrei de um desenho que me marcou bastante quando era (bem) mais novo: ele mostrava um formigueiro, onde as formigas, num exército comandado por um general fanático por doces, passavam o ano juntando guloseimas para si. Somente uma formiga, o protagonista do desenho, insistia em juntar grãos de soja, para desprezo do general. Um belo dia, o general planeja o ataque a uma fábrica de chocolates, e lá, as formigas são presas por seu dono louco, que diz que finalmente fará seu chocolate crocante com formigas, já que formigas deixam o chocolate mais crocante que qualquer outra coisa. No final, depois de uma série de desventuras, aquela formiguinha que juntava soja acaba salvando todas as outras, e o formigueiro passa a comer só soja, de forma saudável - e comem com mais alegria que quando comiam doces.

O que mais me assustou quando eu era moleque nem foi o fato de comer doces te colocar em problemas, ou o fato de formigas gostarem mais de soja que de açúcar - para estimular uma alimentação mais saudável. O que realmente me fez borrar as calças foi a ideia de que chocolate crocante era feito com formigas. Juro que fiquei um tempão sem comer chocolate, e quando comia, ficava procurando qualquer sinal de insetos. Como falei, sutil, mas extremamente eficaz.

Se formos puxar da memória, realmente, os desenhos animados de nossa infância eram planejados para nos condicionar determinados comportamentos, como fábulas modernas - os Irmãos Grimm provavelmente ficariam orgulhosos de ver crianças querendo comer espinafre graças ao Popeye, ou se comportar para não serem levados por furacões como os que carregavam as orquestras do Mickey. Ouso dizer que esses desenhos tiveram um impacto tão grande na formação da personalidade da minha geração quanto a literatura clássica teve na formação dos nossos pais.

Aí a gente resolve ver os desenhos de hoje em dia… E parecem que eles são direcionados muito mais para um público adolescente que para as próprias crianças. São desenhos fazendo referência à bacon, por exemplo, demonstrando uma clara influência da internet e de memes; outros que flertam com o nonsense, que além de não transmitirem mensagem alguma, só servem para idiotizar cada vez mais. Meu sobrinho mesmo, ao assistir um desses, ficou sem reação alguma encarando a TV, num profundo estado de letargia, sem saber como agir diante do que via - e olha que o moleque é exigente com o que assiste na televisão.

Tudo bem, desenhos são uma forma de entretenimento, divertem, distraem, e educação deve partir dos pais, não nego isso. Só não sei se me sentiria confortável com um filho se divertindo com um desenho em que o herói mente, engana, é irresponsável, ou ainda desenhos de meninas que mostram heroínas fúteis, preocupadas com festas, diversão e compras no shopping. Anti-heróis são figuras complexas demais para serem bem interpretadas por crianças ainda em fase de formação de seus valores fundamentais.

Crianças são influenciáveis, a imaginação é uma arma poderosa, e qualquer estímulo na direção errada pode representar a longo prazo algo não muito divertido. Até os seis anos mais ou menos, a criança é uma esponja, absorve todo e qualquer estímulo a sua volta. É o momento de realmente selecionar bem os exemplos. Parece papo de educador, eu sei, mas vejo isso todo dia na prática com meu sobrinho: de tanto ver “Super Why” (um desenho do canal Discovery Kids que estimula soletração em português e inglês), com apenas um ano e seis meses ele já identificava todas as letras do alfabeto, incluindo o W. Se isso não for bom, não sei o que é então.

Além do estímulo audiovisual representado pelos desenhos animados, não podemos esquecer que o livros sempre serão uma fonte direta de conhecimento e formação de personalidade, isso ninguém pode negar. Eu mesmo quero que meus filhos leiam muitos, e quero oportunizá-los de todas as formas para que isso ocorra. Porém, na infância, sabemos que desenhos animados vão fazer parte dos estímulos iniciais de qualquer criança, graças às cores, músicas, imagens.

Não sou nenhum pedagogo, psicólogo infantil ou coisa que o valha: sou apenas um cara que ainda lembra como os desenhos influenciaram em parte na sua formação moral. Eu admirava os esquemas complexos do Coiote pra pegar o Papa-Léguas, me divertia com desenhos de detetive como Scooby-Doo para tentar descobrir o culpado a partir das pistas… Isso sem contar o profundo conhecimento em música erudita que se adquiria com longas sessões de Pernalonga e Tom & Jerry!

Há quem critique, dizendo que os desenhos antigamente mostravam personagens fumando, usando armas, e coisa do gênero, e que isso poderia representar um impacto negativo na formação moral de uma criança. De fato, os valores nas décadas de 50 e 60 eram outros, mas a criançada sabia que aquilo era coisa de adulto, e no máximo reproduzia as cenas com pistolinhas e espoleta e cigarrilhas de chocolate Pan. A presença dos pais era marcante, e seus filhos aprendiam a separar as coisas. Foi a partir da década de 80 e da popularização das “babás eletrônicas” (nossa popular telinha) que o politicamente correto entrou de sola; pais ausentes não podiam se dar ao luxo de permitir cigarros e armas nos desenhos dos filhos. Como aquilo os influenciaria?

Saudades dos tempos de clássicos como “Arca de Noé”, em que crianças no meu tempo puderam crescer ouvindo clássicos imortalizados nas vozes de Elis, Toquinho, MPB4, Vinícius e outros monstros da música popular brasileira. Não sei se foi o tempo que chegou e a idade que me atingiu, ou se os valores hoje são outros que não consigo entender… Pelo menos a criançada dos dias de hoje, nesse mar de desenhos alienantes e vazios em significado, ainda pode contar com galinhas pintadinhas e afins para não perpetuarem toda uma geração de idiotas.

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Raphael Rios Chaia
I. M. H. O.

Advogado e professor universitário, especialista em Direito Digital e Ambiental, Mestre e Doutor em Desenvolvimento Local. https://bento.me/raphaelchaia