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Do Valor da Amizade

Breves reflexões sobre a família que a gente escolhe e a distância que a vida muitas vezes nos impõe.

Raphael Rios Chaia
I. M. H. O.
Published in
5 min readJul 21, 2013

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Não se sabe ao certo quando os primeiros registros de amizades foram anotados, mas a ideia de que “amigos são a família que escolhemos” é uma realidade inegável, que não pode ser ignorada. O sentimento de afinidade por alguém é algo que não se pode explicar apenas por psicologia, biologia, ou o que for: é algo maior, que liga as pessoas pela alma, literalmente.

A questão é que o tempo passa. Com o tempo, as amizades efêmeras vão-se junto, ficando aquelas que realmente possuem algum significado. As amizades ditas verdadeiras são eternas, e permanecem ainda que a distância se coloque entre essas pessoas — afinal, a vida acontece, e cada um precisa tomar as decisões que serão melhores para a sua própria.

“O amor passa, a amizade volta, mesmo depois de ter adormecido um certo tempo.” (George Sand)

O que as pessoas precisam entender é que o valor da amizade não se mede pelo que se demonstra, mas pelo se sente. A mera demonstração de respeito, presença, contato, nada disso atesta amizade — até porque, são ações que se espera de qualquer pessoa bem educada no seu dia a dia no ambiente de trabalho, por exemplo. Amizade é sentimento, e como tal, deve ser sentida, independente de distância, tempo, comportamentos, posturas, o que for.

“A amizade não se busca, não se sonha, não se deseja; ela exerce-se (é uma virtude).” (Simone Well)

O problema é quando cobramos por isso. Que exijamos demonstrações de amizade, como se a amizade precisasse ser provada constantemente. Isso não é querer amizade. Isso é não acreditar no que a pessoa sente. Amizade não é emprego. Se alguém precisa de provas sobre o que um amigo sente, então nunca houve ali uma amizade verdadeira. A vida acontece, já dissemos isso, e nos caminhos tortuosos da vida adulta, a distância pode se impor sobre cada um de nós, mas ainda que meses se passem sem que uma pessoa mantenha contato, quando o fizer, será como se nunca tivesse se afastado.

O valor da amizade não se mede por ações vazias e convenções sociais não obrigatórias. O valor da amizade não se mede pelo parecer ser. A amizade se mede pelo ser. Não podemos cobrar de nossos amigos um determinado comportamento, pois amizade envolve respeito aos limites de cada um. Amizade não envolve tirar conclusões sobre o que se passa na cabeça do próximo: é sentar e colocar as cartas na mesa, afinal, como qualquer relação humana, a amizade também está sujeita a seus altos e baixos. O que faz a diferença é a forma como se encaram os baixos.

“Não é amigo aquele que alardeia a amizade: é traficante; a amizade sente-se, não se diz.” (Machado de Assis)

O verdadeiro valor da amizade se mede por uma pequena coisinha chamada respeito às decisões que seu amigo resolver tomar em sua vida. Alguns sonhos demandam sacrifícios para serem realizados, e o que se espera de seus amigos é que apoiem você na busca daquilo que será melhor para você, e não que cobrem sua presença. Que respeitem suas decisões, e não que censurem seu comportamento.

Amizade, porém, é uma via de mão dupla, e isso também não pode ser esquecido. Não se pode esperar um comportamento de um amigo quando não se manifesta uma contrapartida no mesmo sentido. Toda ação corresponde a uma reação de força proporcional no sentido contrário: a mais básica lei da Física se aplica a qualquer relacionamento. Nessas horas, a desculpa mais comum é dizer que os amigos “somem”, “fogem”, mas fica a pergunta: quantas vezes procuramos para valer esse amigo? Na era da informação, meios para contato não faltam — telefone, celular, email, Facebook, Twitter, SMS, isso quando não temos o endereço da pessoa! Será que hoje alguém REALMENTE consegue “desaparecer”? Ou será que essa amizade não valia o esforço?

O valor da amizade não se mede apenas pelos bons momentos. Se uma pessoa não é capaz de conviver com os defeitos daqueles que considera seus “amigos”, então nunca houve amizade de verdade. Amizade é pacote completo, não é apenas risadas e diversão.

“Há 2 espécies de chatos: os chatos propriamente ditos; e os amigos, que são os nossos chatos prediletos.” (Mário Quintana)

Albert Einstein foi uma das mentes mais brilhantes da humanidade. Digo isso não só por tudo o que fez em prol da Física; Einstein era um verdadeiro gênio, pois, apesar de ser um homem de ciência, sempre colocou o ser humano no centro do Universo, valorizando como necessários, em primeiro lugar, os valores mais fundamentais da humanidade: Deus, o conhecimento, a criatividade, e a amizade:

Pode ser que um dia deixemos de nos falar…
Mas, enquanto houver amizade,
Faremos as pazes de novo.
Pode ser que um dia o tempo passe…

Mas, se a amizade permanecer,
Um de outro se há-de lembrar.
Pode ser que um dia nos afastemos…

Mas, se formos amigos de verdade,
A amizade nos reaproximará.
Pode ser que um dia não mais existamos…

Mas, se ainda sobrar amizade,
Nasceremos de novo, um para o outro.
Pode ser que um dia tudo acabe…

Mas, com a amizade construiremos tudo novamente,
Cada vez de forma diferente.
Sendo único e inesquecível cada momento
Que juntos viveremos e nos lembraremos para sempre.

Há duas formas para viver a sua vida:
Uma é acreditar que não existe milagre.
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.

(Albert Einstein)

Dê às suas amizades o devido valor, mas saiba respeitar os limites que toda amizade exige. Não cobre, não exija: amizade não é emprego. Não espere, tenha desapego: temos o péssimo hábito de projetar nossas expectativas e nosso próprio comportamento sobre nossos amigos, e se eles agem de alguma forma diferente, nos frustramos e nos magoamos. Não deve ser assim; amizade é sentir, é ser, e não demonstrar, parecer ser. Se diante de uma dificuldade, a “amizade” desmorona, não era amizade. Se diante da distância, a “amizade” se apaga, não era amizade. Chame do que quiser: afinidade, coleguismo, mas não de amizade. Amizade é atemporal. Amizade é não ter razão para o que simplesmente é. Importe-se em agir da forma que pretende que seu amigo aja com você.

“Para conseguir a amizade de uma pessoa digna é preciso desenvolvermos em nós mesmos as qualidades que naquela admiramos.” (Sócrates)

Tudo seria mais fácil se viéssemos com manuais de instrução, mas a vida não é fácil, parceiro: relacionar-se com as pessoas exige diálogo, respeito, e não cobranças ou ameaças. Um amigo vem e vai com a primeira brisa de fim de tarde; um amigo de verdade dura a vida inteira, desde que você aprenda a respeitar os limites dessa amizade. Se em até casamentos há limites, por que seria diferente com nossos amigos?

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Raphael Rios Chaia
I. M. H. O.

Advogado e professor universitário, especialista em Direito Digital e Ambiental, Mestre e Doutor em Desenvolvimento Local. https://bento.me/raphaelchaia