Catálogo de produtos em marketplaces: relações com a Biblioteconomia

Luzane Ruscher
IA Biblio BR Grupo
Published in
7 min readNov 1, 2022

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Foto aérea dentro de um supermercado, com prateleiras preenchidas por diversos produtos enfileirados. Fonte: fotógrafo Peter Bond, disponível no Unplash.

A Biblioteconomia, ao contrário do que parece, não tem como objeto de estudo a biblioteca ou os livros, mas sim a informação neles contida. Aprendemos teorias e práticas para a organização da informação em qualquer suporte. Desta forma, a pessoa bibliotecária tem espaço para levar este conhecimento para outros contextos em que haja a necessidade de organização da informação, inclusive em ambientes digitais, como marketplaces.

A área central da Biblioteconomia é a Organização da Informação. Basicamente, organizamos para conseguir recuperar depois. Vejamos um exemplo prático: se eu pegar todas as minhas roupas e jogar em cima da cama possivelmente essa seria minha visão:

Na imagem, uma pessoa em meio a um amontoado de roupas coloridas. Fonte: @wayhomestudio, disponível no Freepik.

Se fizermos isso, sem nenhum critério de organização, fica muito mais difícil eu encontrar uma blusa azul de linho com renda tamanho M, por exemplo. Porém se eu organizar esse conjunto de informações com algum critério de organização e descrever este conteúdo, vai ficar muito mais fácil e rápido para encontrar o que eu estiver pesquisando.

Na imagem, cabides pendurados com roupas coloridas. Fonte: @wirestock, disponível no Freepik.

Na Biblioteconomia, chamamos isso de representação da informação. Ou seja, o produto da descrição física e de conteúdo de um objeto informacional. Em um ambiente digital, estas representações são materializadas através de metadados, que tratam-se dos dados estruturados que descrevem as propriedades de um objeto informacional.

Abaixo, podemos ver estes metadados em um catálogo de biblioteca:

Imagem de página de registro bibliográfico do livro “A biblioteconomia brasileira no contexto mundial”, de Edson Nery da Fonseca, no site da Biblioteca Nacional. Fonte: https://bityli.com/fJrZEOSS

Nesta outra imagem, temos uma página de uma cafeteira na Amazon:

Imagem de página de uma cafeteira no site da Amazon. Fonte: https://bityli.com/kPzgKgWK

Como podemos observar, as duas páginas são bem semelhantes. Temos campos preenchidos com valores específicos para o objeto em questão. Estes campos são os metadados. Nós conseguimos pesquisar, recuperar e acessar estas informações através dos metadados, que compõem a representação deste objeto. Ou seja, o que vemos na tela não é o livro que está na biblioteca, nem a cafeteira que vai chegar em nossa casa se a comprarmos. O que vemos é a representação destes objetos informacionais.

O conjunto de representações de objetos de uma coleção ou de um estoque de produtos, é o que chamamos de catálogo. Portanto, é através do catálogo que é possível organizar a informação para sua posterior recuperação.

Na Biblioteconomia, a representação da informação é dividida em representação descritiva e temática.

Representação descritiva

A representação descritiva pode ser entendida como o processo de catalogação, em que é realizada a descrição física do objeto.

Por exemplo, no caso de livros, trata-se das informações que o descrevem, mas que não estão relacionadas com seu conteúdo, seu assunto. Ou seja, são informações como autor, título, editora, ano de publicação, local, etc.

No caso de produtos, podemos representar atributos que descrevem fisicamente o item, como sabor, cor, fragrância, tamanho, peso, etc.

Vale destacar que a catalogação não é somente uma técnica de elaborar catálogos ou listar itens. Ela possibilita o relacionamento entre os itens, criando alternativas de escolha para os usuários.

Portanto, a catalogação permite que o usuário:

· Localize um item específico (aquela cafeteira específica que estou pesquisando);

· Escolha entre as várias manifestações de um item (esta cafeteira em 110V ou 220V);

· Escolha entre vários itens semelhantes (opções de outras cafeteiras com características semelhantes).

Características da catalogação

· Integridade: honestidade na representação (as informações devem ser verdadeiras);

· Clareza: os termos utilizados devem ser compreensíveis ao usuário;

· Precisão: cada informação só pode representar um único dado ou conceito;

· Lógica: as informações devem ser organizadas de forma lógica (apresentar primeiro as informações mais relevantes e depois ir detalhando);

· Consistência: a mesma solução deve ser sempre usada para informações semelhantes.

Uma das principais ferramentas para garantir estas características é o controle de autoridade. Ao contrário do que pode parecer, ele não se refere apenas a autoria. Basicamente é um controle de entradas autorizadas para um campo de metadado.

No exemplo da cafeteira na Amazon, vamos analisar estes dois campos destacados. Para melhorar a representação da informação e, consequentemente, sua recuperação, precisamos padronizar os dados, ou seja, controlar a entrada dos dados nestes campos, para que não haja duas entradas diferentes para a mesma informação.

Por exemplo, se alguém registrar a informação 127 V no campo TAMANHO e em outro produto temos o mesmo campo mas preenchido com 127V, sem espaço, na recuperação, seriam duas opções diferentes para a mesma coisa. Portanto, é importante que haja este controle de autoridade para campos em que exista uma série de opções para seu preenchimento.

Imagem de parte de página de uma cafeteira no site da Amazon, com destaque para os campos Tamanho e Dimensões do produto. Fonte: https://bityli.com/kPzgKgWK

Ainda neste exemplo, podemos observar que temos duas informações diferentes no mesmo campo, o que demonstra problemas na padronização dos metadados, dificultando a recuperação da informação.

· Tamanho: 127 V (volts, que é a unidade de tensão elétrica) 200 W (watts, que é unidade de potência);

· Dimensões do produto: 20,5 x 14,5 x 15 cm (tamanho do produto); 836 g (peso do produto).

É importante destacar que informações como preço, quantidade em estoque, valor de frete e prazo de envio normalmente não são cadastradas no catálogo de produtos pois são dados variáveis, que provém de outros sistemas gerenciais.

Representação temática

A representação temática pode ser entendida como o processo de classificação, em que é realizada a descrição temática do item, ou seja, refere-se ao conteúdo e ao assunto do objeto informacional. No caso de produtos, trata-se do que o produto é conceitualmente e como ele é representado através da linguagem.

Este processo é realizado através de instrumentos chamados de Sistemas de Organização do Conhecimento (SOCs). Há diversos tipos de SOCs que vão variar de acordo com sua complexidade e finalidade.

Fonte: https://www.isko.org/cyclo/kos

A classificação trata-se do agrupamento de itens semelhantes e a separação de itens diferentes, de acordo com alguma característica.

No exemplo da cafeteira, poderíamos dividir grupos de acordo com:

· Modelo: cafeteira de filtro ou de cápsula;

· Capacidade: 8 cafés, 12 cafés, etc.

· Público: premium ou básica.

Basicamente, na classificação, organizamos as coisas dentro de “caixinhas”. E estas caixinhas são organizadas em uma estrutura hierárquica, como uma taxonomia. A taxonomia é uma classificação sistemática, em que as classes (caixinhas) se apresentam segundo uma ordem lógica, apoiada em princípios, contendo relações hierárquicas, ou seja, do mais geral para o mais específico.

No marketplace, ela vai servir especialmente para organizar as categorias dos produtos na plataforma, através do sistema de navegação. No caso da cafeteira, a Amazon organizou sua estrutura da seguinte forma:

Primeiro nível (mais geral):

Imagem de parte de página da Amazon, com destaque para a categoria “Cozinha” no primeiro nível da taxonomia. Fonte: https://bityli.com/kPzgKgWK

Segundo nível:

Imagem de parte de página da Amazon, com destaque para a categoria “Cafeteiras e Chaleiras” no segundo nível da taxonomia. Fonte: https://bityli.com/kPzgKgWK

Terceiro nível:

Imagem de parte de página da Amazon, com destaque para a categoria “Cafeteiras” no terceiro nível da taxonomia. Fonte: https://bityli.com/kPzgKgWK

Quarto nível (mais específico):

Imagem de parte de página da Amazon, com destaque para a categoria “Cafeteiras de filtro para café coado” no quarto nível da taxonomia. Fonte: https://bityli.com/kPzgKgWK

Neste exemplo, podemos observar alguns pontos que podem dificultar a recuperação da informação pelo usuário.

· Primeiro nível: algumas categorias estão divididas de acordo com o cômodo da casa, como COZINHA e JARDIM, porém as outras categorias estão divididas de acordo com outras características;

· Segundo nível: há a categoria CAFETEIRAS E CHALEIRAS e também a categoria ELETROPORTÁTEIS DE COZINHA. Como cafeteira é um eletroportátil de cozinha, isto pode gerar ambiguidade na recuperação;

· Terceiro nível: na tela do terceiro nível, podemos observar que o nome da categoria do nível anterior (CAFETEIRAS E CHALEIRAS) mudou para CAFÉ, CHÁ E EXPRESSO. Isso também pode gerar problemas no entendimento, visto que antes não havia a informação de que haveria produtos relacionados a chá nesta categoria, por exemplo.

É importante destacar que tanto a representação temática quanto a descritiva refletem a forma de organização dos usuários do marketplace, considerando o que faz sentido para eles, além do interesse comercial da plataforma.

Segue abaixo figura que sistematiza o conteúdo tratado até aqui.

Imagem de fluxograma sobre representação da informação na Ciência da Informação. Fonte: elaborado pela autora.

É possível perceber como a aplicação destes princípios e instrumentos provenientes da Biblioteconomia podem melhorar a qualidade dos dados dos produtos em um marketplace. A qualidade dos dados é essencial para outros tratamentos que normalmente são realizados em empresas de tecnologia como analytics, algoritmos de recomendação e classificação, indexação automática, etc.

Concluindo, podemos elencar algumas semelhanças e diferenças entre a organização da informação em bibliotecas e em marketplaces.

Semelhanças:

· o produto pode ser considerado um objeto informacional;

· a importância da representação do produto para a recuperação da informação;

· a necessidade de controle de autoridade;

· os metadados como pontos de acesso do catálogo.

Diferenças:

· os produtos tratados não formam uma coleção, como em uma biblioteca;

· não temos acesso ao conteúdo da informação diretamente (produto);

· tratamento de grande quantidade de tipos de objetos informacionais diferentes (tipos de produtos);

· falta de normalização na área de produto.

Recomendo este vídeo para quem quiser expandir o conhecimento neste assunto e explorar outras formas de organização da informação na área de produtos do varejo, como os grafos de conhecimento.

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Referências

GOMES, Hagar Espanha; MOTTA, Dilza Fonseca da; CAMPOS, Maria Luiza de Almeida. Revisitando Ranganathan: a classificação na rede. Biblioteconomia, Informação & Tecnologia da Informação (BITI), 2006. Disponível em: http://www.conexaorio.com/biti/revisitando/revisitando.htm. Acesso em: 12 maio 2022.

MEY, Eliane Serrão Alves. Catalogação no plural. Brasília: Briquet de Lemos, 2009.

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