O papel dos bibliotecários na construção inclusiva dos talentos tech no Brasil: das competências do futuro às micro-credenciais

Laura Passos
IA Biblio BR Grupo
Published in
8 min readJul 12, 2023

Saiba mais sobre como os profissionais bibliotecários podem ser ativos na tendência de reconhecimento das micro-credenciais como estratégia para aumentar a diversidade de talentos qualificados e acompanhar a velocidade da demanda no mercado de trabalho de tecnologia.

Três mulheres reunidas, sorrindo e conversando ao redor de uma mesa de reunião em um ambiente de trabalho com computador, tablet e cabos dispostos. (Fonte: “Women In Tech — 91” por wocintechchat.com abaixo da licença CC BY 2.0)

Sumário:

1. Mapeamento da demanda de talentos tech no Brasil e no mundo: por que habilidades à prova do futuro importam?

2. Micro-credenciais: uma resposta ao letramento tecnológico e potencial mecanismo de democratização de desenvolvimento de habilidades

3. Fractal do “diamante da qualificação” e o papel dos bibliotecários

4. Referências bibliográficas

1. Mapeamento da demanda de talentos tech no Brasil e no mundo: por que habilidades à prova do futuro importam?

Quatro estudantes, sendo um homem e três mulheres, sentados em ambiente acadêmico olhando para um notebook. (Fonte: “Salford Business School launches unique open access online course” por University of Salford abaixo da licença CC BY 2.0.)

Que a demanda por profissionais qualificados na área de tecnologia é exponencial não é novidade, certo? Mas qual o papel das políticas públicas e dos bibliotecários nesse cenário? Mais que isso, qual a relação entre eles?

Para começar a responder essas indagações, precisamos dar alguns passos para trás e entender o contexto que estamos atravessando sob a lente dos dados. De acordo com a Brasscom, Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais, o gap na formação de talentos no setor de Tecnologia da Informação no Brasil é gritante.

O último relatório setorial revelou que a demanda por novos talentos no país chegará a quase 800 mil novos profissionais entre 2021 e 2025. Sendo o macrossetor de TIC responsável por 4% dos empregos nacionais, por garantir em mais de duas vezes a média salarial nacional e por corresponder a mais de 6,5% do PIB brasileiro, não seria de interesse da esfera pública fomentar o acesso de talentos a esse mercado enquanto uma estratégia de inclusão sócio-produtiva, redução de desigualdades e crescimento econômico?

Minha leitura é que sim, e em nível mundial. Em comparação aos demais países da América Latina, o Brasil é o único a ocupar o Top 10 global em produção de TIC e Telecom, representando quase 37% do mercado de TIC na região. Ultrapassando as fronteiras latino-americanas, o Fórum Econômico Mundial em seu último relatório intitulado “Future of Jobs”, sugere que quase um quarto dos empregos deve mudar nos próximos cinco anos, sendo 10.2% através do crescimento de novas posições e 12.3% por meio da extinção de postos de trabalho.

Os empregos em crescimento mais rápido ao redor do mundo estão sendo impulsionados pela tecnologia e digitalização, com Big Data estando no topo entre as tecnologias vistas para criação de novos empregos. Espera-se que as oportunidades de trabalho para analistas e cientistas de dados, especialistas em Big Data, especialistas em Machine Learning (ML) e Inteligência Artificial (IA) e profissionais de Cyber Security cresçam em média 30% até 2027. No entanto, apesar da clareza acerca da necessidade de um indivíduo desenvolver habilidades técnicas para tornar-se “à prova do futuro” no mercado de trabalho, as habilidades socioemocionais ou humanas (soft skills) ainda estão ranqueadas nos primeiros lugares das skills priorizadas por empregadores.

À medida que a pegada das competências digitais aumenta, o equilíbrio proposto por formações que integrem as competências digitais, técnicas e soft skills, pode criar uma cascata de fortalecimento desse conjunto. O relatório recente da Coursera “Job Skills of 2023” relata que essas últimas, habilidades humanas, incluem uma variedade de domínios cognitivos, sociais e emocionais. “Pensamento analítico” e “pensamento criativo” estão à frente mesmo do letramento tecnológico relacionado à Inteligência Artificial e Big Data, listados previamente como prioritários para o mercado.

Letramento: essa palavra, nós, bibliotecários, conhecemos muito bem, não?! Ela é um bom indício de como nossa comunidade pode fazer parte efetivamente da transformação digital não apenas do (novo) mercado de trabalho, mas da (nova) sociedade. Da mesma forma que, em 2003, Castells¹ tratava a Internet como o “tecido de nossas vidas”, um elemento intrínseco à sobrevivência da nossa organização social, transporto o impacto da tecnologia e digitalização traduzidas acima para nosso ethos.

Dez anos antes de Castells, Pierre Lévy² acreditava que as características mais atuais da tecnologia são determinantes para a nossa evolução cultural e cognitiva. Mais que à influência do tempo, a sociedade é suscetível às mudanças (imprevisíveis?) da tecnologia. O letramento, então, torna-se um dispositivo de sobrevivência e não, apenas, uma competência.

Aprender a aprender em um contexto de transformações profundas e em alta velocidade provocadas pela tecnologia, além de ser um mecanismo de adaptabilidade, demanda certos acessos e competências de domínio da Ciência da Informação.

Acesso a recursos (dados, informações, conhecimentos, recursos educacionais abertos, objetos de aprendizagem, conteúdos, etc) relevantes para a formação de um indivíduo no desenvolvimento de novas habilidades e para seus processos de tomada de decisão. Competências para que estes saibam avaliar e distinguir o que é relevante ou não e, principalmente, possam apropriar-se dos recursos: letramento digital, informacional, midiático e — por que não? — tecnológico.

2. Micro-credenciais: uma resposta ao letramento tecnológico e potencial mecanismo de democratização de desenvolvimento de habilidades

Um homem asiático mexendo em um tablet segurado por uma mulher branca de cabelos pretos. Ambos estão sorridentes e apoiados em uma estrutura de segurança de vidro. (Fonte: “Creative Company Conference 2011” por Sebastiaan ter Burg abaixo da licença CC BY-SA 2.0)

As micro-credenciais são um dos mecanismos reconhecidos na Educação (e, mais que nunca, pelo mercado de trabalho) como um validador de habilidades, aprendizados e conhecimentos. Normalmente, são oferecidas por entidades comerciais, provedores de educação e treinamento e organizações comunitárias.

Este tipo de credencial valida desfechos de aprendizagem específicos, comumente adquiridos em curtos períodos de tempo. Por outro lado, diferentemente das micro-credenciais, as “tradicionais” macro-credenciais indicam a aquisição de um amplo conjunto de conhecimentos e geralmente incluem diplomas, certificados e licenças concedidos por instituições educacionais e outras organizações credenciadoras em ofertas educacionais que podem levar vários anos para serem concluídas.

Na área de tecnologia, as micro-credenciais podem viabilizar a aproximação de audiências não-tradicionais ao setor acelerando o processo de letramento tecnológico, atendendo ao volume de pessoas adquirindo habilidades técnicas para suprir as demandas do mercado de trabalho, e servindo como um pilar de inclusão sócio-produtiva, ao brindar oportunidades educativas mais acessíveis.

No entanto, para garantir que mais ofertas de desenvolvimento de habilidades cheguem a mais indivíduos, quais pilares precisam ser preconizados? Não me debruçarei sobre as desigualdades ainda enfrentadas pelo Sul Global quanto à falta de acesso à conectividade e infraestrutura, mas, sim, sobre o pilar do acesso à informação e ao conhecimento. Peter Ber⁴, ao discorrer sobre como as tecnologias digitais facilitaram inúmeras revoluções em nossa sociedade, chama a atual de “Revolução do Acesso” graças ao Acesso Aberto.

Ao disponibilizar ofertas de desenvolvimento de habilidades e competências na área de tecnologia tendo como base o Acesso Aberto, contribuímos para a promoção de entornos livres, mais colaborativos e com o potencial de exponencializar a democratização do conhecimento ao favorecer a produção e disseminação de recursos educacionais com amplo alcance.

3. O papel dos profissionais bibliotecários ponte entre Acesso Aberto e Micro-credenciais

Imagem de uma forma geométrica em forma de diamante que dispõe em cada ponta as palavras, em sentido horário: “Empresas empregadoras”, “Instituições educativas informais”, “Instituições educativas formais” e “Estado”. (Fonte: Autoria própria, 2023)

A incorporação dessa forma de fazer e compartilhar conhecimento não é de responsabilidade individual dos entes tradicionais relacionados ao Acesso Aberto, como instituições acadêmicas, produtoras de conhecimento (formal e informal), Estado e comunidade. Como veremos abaixo, este novo fazer requer um trabalho interconectado entre todos os atores envolvidos e interessados nos desfechos sociais e econômicos e de desenvolvimento de habilidades para o mercado de trabalho.

Em todos os aspectos, profissionais da biblioteconomia são estratégicos para atuar ativamente na construção desse novo modelo e facilitar a interlocução entre os beneficiários das micro-credenciais enquanto fomentadoras de habilidades tech, instituições produtoras e disseminadoras de conteúdo, empresas empregadoras e políticas governamentais. Assim, os tipos de políticas de maior potencial para atender a essas tendências relacionadas às novas competências do mundo do trabalho são as que agregam Micro-credenciais e Acesso Aberto.

Ao mesmo passo que um número crescente de instituições formativas está se voltando para disponibilização de credenciais baseadas em habilidades, o mercado, também, tem valorizado mais as habilidades de um indivíduo que seu background acadêmico por meio de modelos de contratação baseados em competências. Esta combinação revela uma oportunidade para os bibliotecários influenciarem não apenas políticas públicas e institucionais, mas formarem parte das lideranças envolvidas nas mudanças do mercado através de pilares educacionais e formativos que atendem as demandas “empregáveis”.

Tanto o Acesso Aberto quanto as Micro-credenciais podem ser alavancados como práticas de democratização da qualificação profissional em tecnologia por governos, instituições de ensino, centros vocacionais, entidades formadoras e empresas. O tamanho desse alcance eleva não somente o papel dos profissionais bibliotecários inseridos em ambientes educacionais, mas influencia positivamente a nossa audiência-propósito: nossos usuários, as comunidades que atendemos e servimos.

Neste caso, os maiores beneficiários de práticas e políticas democratizadoras são os grupos minorizados e em vulnerabilidade social. O resultado, então, da disponibilização de recursos — e das condições necessárias para seu acesso e apropriaçãopode ser a inclusão.

Emprestando o conceito de “diamante de cuidado³”, uma ferramenta apresentada pela Sociologia para analisar o peso dos provedores de cuidado com o objetivo de avaliar como as cargas do cuidado são distribuídas em uma sociedade (família, estado, mercado e comunidade), vislumbro o “diamante da qualificação”.

Neste modelo, observamos quem são os entes responsáveis por prover oportunidades de qualificação inclusivas para grupos sub-representados na área de tecnologia: Estado, Mercado (empresas empregadoras), Instituições educativas formais (escolas, ensino técnico, ensino superior, etc) e Instituições educativas informais (bootcamps, EdTechs, micro-credenciais, etc).

Seria impossível reduzir o tamanho do desafio que temos pela frente em uma forma geométrica. No entanto, esta é uma bela maneira de demonstrar como o funcionamento de políticas e práticas que busquem prover a democratização da qualificação profissional com o objetivo de desfechos de inclusão sócio-produtiva para comunidades socialmente vulneráveis depende de uma articulação multifacetada, interligada e interdependente entre os protagonistas desse arranjo. Finalmente, provoco: qual o seu papel, profissional da Biblioteconomia, nesse fractal?

4. Referências bibliográficas:

¹CASTELLS, Manuel. Internet e sociedade em rede. In: MORAES, Dênis de (Org.). Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 255–288.

²LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.

³RAZAVI, Shahra. The Political and Social Economy of Care in a Development Context: conceptual issues, research questions and policy options. United Nations Research Institute For Social Development: Gender and Development Programme, Genebra, jun. 2007.

⁴BER, Peter. Open Access. Cambridge: The Mit Press, 2012.

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