Ontologia e ontologias? O presente e o futuro da Ciência da Informação.

Mauricio B. Almeida
IA Biblio BR Grupo
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6 min readNov 4, 2022

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Em “Alice no País da Maravilhas”, Lewis Carroll narra um diálogo entre Alice e Humpty Dumpty: “Quando eu uso uma palavra, ‘Humpty Dumpty disse em tom um tanto formal’, isto significa que eu escolho o que ela significa — nem mais nem menos”… ‘e quando Alice contestou:’ “A questão é saber se você pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes”, ‘Humpty Dumpty respondeu:’ “A questão é saber quem manda, quem é o mestre — isso é tudo”.

Alice e Humpty Dumpty

Mesmo considerando a importância da linguagem, filósofos e cientistas decidiram há muito que as palavras não seriam os únicos “mestres” como sugere o personagem. Os objetos não se alteram pelo simples uso de palavras diferentes para nomeá-los. Da observação das coisas, antes das palavras que as nomeiam, surgiu o interesse em conhecer o mundo e sua estrutura. Essa é a noção da ontologia: conhecer a natureza última das coisas. Os estudos ontológicos hoje abordam como o conhecimento sobre o mundo é organizado e representado em sistemas de informação, uma atividade que levanta novos desafios.

Questões sobre o que são ontologias e para que usá-las surgiram há mais de 30 anos. Talvez a mais famosa resposta vem de Thomas Gruber em seu artigo “What is an Ontology?” de 1992. Gruber, um ex-professor da Stanford University, realizou pesquisas pioneiras em ontologia que resultaram na tecnologia SIRI, um assistente virtual que vem embutido em praticamente todos os dispositivos da Apple. Para entender o que é ontologia, é preciso antes buscar os significados do termo. Duas são as acepções para o termo “ontologia” hoje: uma filosófica e uma tecnológica.

A SIRI, o assistente inteligente dos dispositivos Apple, é baseado em ontologias

As pessoas têm opiniões próprias, formadas a partir de muitos fatores, e por isso discordam sobre os mais diversos assuntos. Muitas vezes, discordam sobre como as coisas são, por exemplo, se um livro é bom, se uma tese é original, se alguém agiu de forma ética. Outras vezes, discordam sobre o que as coisas são, por exemplo, se um vírus é um organismo, o que é a virtude, o que é a dor. Discordam até mesmo sobre que coisas existem. Nesse último tipo de questão, na maioria das vezes as divergências são ontológicas.

Algumas divergências são resolvidas pela comunicação, por exemplo, como saber se existe vinho na geladeira. Basta abrir a porta, verificar e dar a resposta. Certas divergências exigem verificação empírica, como saber a distância entre Rio e São Paulo. Algumas exigem uma verificação matemática, como saber qual a área de um triângulo. Existem ocasiões em que não é tão simples fazer a verificação, por exemplo, quando alguém quer saber se existe vida em Marte. Existem ainda, casos que não encontram boa resposta, nos quais a verificação não parece possível. Esses casos são chamados questões ontológicas. Exemplos desse tipo são:

  • Existe uma alma imortal?
  • Os números existem?
  • O que é moral?
  • O que é o tempo?
Distinções categoriais no Lexicon Philosophicum, primeira obra filosófica a citar o termo, cerca de 1600

Casos assim complexos determinam assunto de investigação filosófica e, de fato, o primeiro sentido para o termo “ontologia” é filosófico. O termo, entretanto, assumiu outros sentidos além da Filosofia. Um sentido distinto surgiu em campos científicos de natureza aplicada, sobremaneira, naqueles que se prestam a manipular dados, informação e conhecimento. Em Ciência da Informação — em disciplinas como Teoria da Classificação e Organização do Conhecimento — bem como em Ciência da Computação e Sistemas da Informação — em disciplinas como Representação do Conhecimento e Modelagem Conceitual — o termo “ontologia” exibe usos específicos.

Surge então o segundo sentido para o termo “ontologia”: um artefato representacional que, incorporado a sistemas, provê a máquinas algum tipo de estrutura de mundo. Exemplos de “estrutura de mundo” necessárias aos sistemas são declarações e fatos triviais para seres humanos, mas necessários para máquinas, como: “um artigo é um tipo de documento”, “a hepatite só ocorre no fígado”, “uma flor é um tipo de planta”, “a neve é branca”, etc.

Exemplo de ontologia usada para melhorias em modelos UML

O termo “ontologia” passou a ser utilizado na Ciência da Informação na década de 1990, mas não sem dificuldades. Costuma-se atribuir como marco do assunto na área o artigo do professor inglês Brian Vickery. Naquele momento, a pesquisa em ontologia era vista com certa desconfiança por muitos pesquisadores que afirmavam, por exemplo, que:

i) os estudos em ontologia seriam uma impostura, pois diziam respeito à classificação e classificação é algo que não se pode reinventar;

ii) o uso do termo “ontologia” em outras áreas para denominar um tipo de estrutura de classificação seria apenas uma questão etimológica;

iii) o termo “ontologia” seria resultado da aplicação de conceitos antigos da Ciência da Informação a novas tecnologias.

Com o passar do tempo, as dúvidas iniciais foram esclarecidas. Atualmente, o termo “ontologia” é usado de dois modos principais:
- Ontologia, originalmente, é um termo que nomeia uma disciplina da Filosofia a qual se ocupa da existência e das formas mais gerais daquilo que existe.
- Ontologia, no escopo das Ciências Aplicadas, é um termo que refere a um artefato representacional, o qual, inserido em sistemas, provê uma estrutura de mundo a máquinas permitindo-lhes um tipo básico de raciocínio.

Enquanto a primeira acepção recebe nome de “ontologia como disciplina”, a segunda recebe o rótulo de “ontologia como artefato”. Ao conjunto dessas duas acepções — o uso da ontologia como disciplina para o desenvolvimento de ontologias como artefatos bem fundamentados — recebe o nome Ontologia Aplicada. Esse ramo de pesquisa exibe interfaces com técnicas consagradas da Ciência da Informação, além de similaridade com as pesquisas da classificação bibliográfica, possibilitando a cooperação.

Na Ontologia Aplicada, objetiva-se, em última instância, a representação do conhecimento em sistemas automatizados, através do uso de terminologias e de taxonomias em ambientes computacionais, sistemas especialistas, bancos de dados digitais, dentre outros. A automação da representação do conhecimento apresenta hoje desafios de natureza bem diferente daqueles enfrentados por pesquisadores, bibliotecários ou documentalistas da era pré-informática.

Ontologia em um sistema especialista de Inteligência Artificial

Empregos para ontologistas são ofertados nas principais economias do mundo, como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Também no Brasil já aparecem oportunidades, as vezes com outros nomes e denominações. Espera-se que o número de oportunidades desse tipo cresça à medida que também aumenta a necessidade de aplicativos inteligentes.

Exemplo de oportunidade de trabalho para Ontologista na Amazon, que também tem atividades no Brasil

A Biblioteconomia e a Ciência da Informação podem formar esses profissionais, inexistentes em outras áreas profissionais, e reencontrar seu caminho no contexto digital do século XXI.

Mauricio B. Almeida, Information Science PhD
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Mais de 200 publicações e 5 livros sobre o tema.

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