40 minutos vivos

Por Natalia Pupo

Natalia Martins Pupo Ferreira
Iandé
4 min readNov 4, 2019

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Floresta Amazônica, Novo Airão, Amazonas. Julho, 2019. / Foto: Valeria Pupo

Às 4h30 acordar; às 5h descer para tomar um café puro; às 5h30 encontrar o pessoal na marina; às 5h40 sair com a voadeira. Às 4h30 acordamos. Meus pais e eu. Às 5h descemos para tomar um café, meia hora depois encontramos outros hóspedes e dois monitores que nos acompanhariam. Às 5h40 entrávamos na voadeira e eu pensava comigo o porquê de ter acordado tão cedo.

O motor foi ligado e saímos em direção noroeste, centro do arquipélago. A lua ainda se fazia presente. Ela brilhava como se possuísse luz própria. Parecia muito maior do que observada de outros locais. O vento era fresco e ao mesmo tempo, frio. Batia no rosto, parecia levar embora as angústias e memórias ruins. Levantava os cabelos. Era gostoso senti-lo.

A água. Água. Vida. Ela se fazia presente por todas as partes. Engolia árvores, plantas, terra e animais. Engolia e dominava. Por todos os lados havia água. O barco estava em contato direto com ela. Fazia pressão sobre essa e era só esticar o braço para poder toca-la. Entre os dedos passava rapidamente e com força. Ao levantar a cabeça, a água não seria mais como o tempo mas sim, um espelho. O reflexo das copas das árvores se espelhavam quase que simetricamente. O barco se apressava e junto a ele, as emoções, o tempo, a vida. Um sopro.

O céu mudava suas cores em presença da luz solar que estaria por chegar. E assim como todo resto, era lindo de se ver. Os bichos começariam a acordar. Os sanhaçus já voavam em bando em busca de alimento. E se via os botos descendo o leito do rio ao irem à superfície respirar.

Durante mais ou menos vinte minutos até o ponto de observação, não só eu como por volta de 12 pessoas tiveram o privilégio de viver a natureza, pura e fonte de suspiros.

Eu respirava. Inspirava. Espirava. Me senti presente. E ao meu lado, as duas pessoas mais amadas. Era isso. Mais nada.

Por vezes tentava fechar os olhos e ao inspirar mentalizar algo que desejava atrair, e ao espirar, algo a libertar.

“Amor” “Rancor”

“Paz” “Ansiedade”

“Felicidade” “Amarras emocionais”

Dizem que a visualização é o primeiro passo para a concretização.

Encostava na minha mãe.

Agradecia. Pela vida, pela família, pelas oportunidades, pelo ar. Pelos sentidos que pareciam mais atenuados do que nunca.

Às 6:02 chegávamos ao ponto do arquipélago que nos permitiria observar da mais perfeita forma a chegada do que nos mantém vivos.

6:03

6:04

6:05

6:06

6:07

6:08

6:09

6:10

6:11

6:12

6:13

6:14

O céu teria passado por todas as variações de cores entre o amarelo, vermelho, laranja, azul, roxo, rosa em cada um dos minutos. E cada minuto parecia não acabar.

A voadeira foi ancorada perto de um arbusto ou pedacinho de copa de árvore que sobrevivia submersa em água. Não sei ao certo.

O silêncio foi o protagonista neste período. No entanto, as aves, a respiração dos botos cor-de-rosa, o vento e a própria água batendo no cais da voadeira tentavam insistentemente roubar a cena. Era difícil não escutar o barulho de câmeras fotográficas em um intervalo e outro do espetáculo.

O sussurro era a única forma de se comunicar. Não que falar fosse importante no momento, mas todos queriam um registro do que viam. “Tira uma foto minha, por favor?”

Rio Negro, Arquipélago de Anavilhanas, Amazonas. Julho, 2019. / Foto: Natalia Pupo

Às 6:15 ele apareceu.

Seus raios se espalhavam pelo céu, tomando conta de tudo e todos. A cada milésimo de segundo uma parte sua se fazia mais presente. Não mais o silêncio ocupava o papel principal.

Robusto. Aceso. Quente.

Como uma planta, parecia precisar incansavelmente daquilo para viver.

O reflexo na água. O horizonte. Os pássaros. Era como uma pintura. Meus olhos não podiam acreditar no que estavam vendo. Nem mesmo os ouvidos escutando o que escutavam. Nem a pele sentindo o que sentia. Nem o nariz cheirando o que cheirava.

Cheirava vida.

Compilado de fotos Amazônia. Julho, 2019. / Fotos: Valeria Pupo e Natalia Pupo

Diante tantas possibilidades linguísticas e audiovisuais de traduzir tal experiência, uma simples expressão pode defini-la melhor do que qualquer outra tentativa. A Amazônia, cada mínimo pedaço seu, diz sobre o presente da vida. E de viver.

Arquipélago de Anavilhanas, Amazonas. Julho, 2019. / Vídeo: Natalia Pupo

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