40 minutos vivos
Por Natalia Pupo
Às 4h30 acordar; às 5h descer para tomar um café puro; às 5h30 encontrar o pessoal na marina; às 5h40 sair com a voadeira. Às 4h30 acordamos. Meus pais e eu. Às 5h descemos para tomar um café, meia hora depois encontramos outros hóspedes e dois monitores que nos acompanhariam. Às 5h40 entrávamos na voadeira e eu pensava comigo o porquê de ter acordado tão cedo.
O motor foi ligado e saímos em direção noroeste, centro do arquipélago. A lua ainda se fazia presente. Ela brilhava como se possuísse luz própria. Parecia muito maior do que observada de outros locais. O vento era fresco e ao mesmo tempo, frio. Batia no rosto, parecia levar embora as angústias e memórias ruins. Levantava os cabelos. Era gostoso senti-lo.
A água. Água. Vida. Ela se fazia presente por todas as partes. Engolia árvores, plantas, terra e animais. Engolia e dominava. Por todos os lados havia água. O barco estava em contato direto com ela. Fazia pressão sobre essa e era só esticar o braço para poder toca-la. Entre os dedos passava rapidamente e com força. Ao levantar a cabeça, a água não seria mais como o tempo mas sim, um espelho. O reflexo das copas das árvores se espelhavam quase que simetricamente. O barco se apressava e junto a ele, as emoções, o tempo, a vida. Um sopro.
O céu mudava suas cores em presença da luz solar que estaria por chegar. E assim como todo resto, era lindo de se ver. Os bichos começariam a acordar. Os sanhaçus já voavam em bando em busca de alimento. E se via os botos descendo o leito do rio ao irem à superfície respirar.
Durante mais ou menos vinte minutos até o ponto de observação, não só eu como por volta de 12 pessoas tiveram o privilégio de viver a natureza, pura e fonte de suspiros.
Eu respirava. Inspirava. Espirava. Me senti presente. E ao meu lado, as duas pessoas mais amadas. Era isso. Mais nada.
Por vezes tentava fechar os olhos e ao inspirar mentalizar algo que desejava atrair, e ao espirar, algo a libertar.
“Amor” “Rancor”
“Paz” “Ansiedade”
“Felicidade” “Amarras emocionais”
…
Dizem que a visualização é o primeiro passo para a concretização.
Encostava na minha mãe.
Agradecia. Pela vida, pela família, pelas oportunidades, pelo ar. Pelos sentidos que pareciam mais atenuados do que nunca.
Às 6:02 chegávamos ao ponto do arquipélago que nos permitiria observar da mais perfeita forma a chegada do que nos mantém vivos.
6:03
6:04
6:05
6:06
6:07
6:08
6:09
6:10
6:11
6:12
6:13
6:14
O céu teria passado por todas as variações de cores entre o amarelo, vermelho, laranja, azul, roxo, rosa em cada um dos minutos. E cada minuto parecia não acabar.
A voadeira foi ancorada perto de um arbusto ou pedacinho de copa de árvore que sobrevivia submersa em água. Não sei ao certo.
O silêncio foi o protagonista neste período. No entanto, as aves, a respiração dos botos cor-de-rosa, o vento e a própria água batendo no cais da voadeira tentavam insistentemente roubar a cena. Era difícil não escutar o barulho de câmeras fotográficas em um intervalo e outro do espetáculo.
O sussurro era a única forma de se comunicar. Não que falar fosse importante no momento, mas todos queriam um registro do que viam. “Tira uma foto minha, por favor?”
Às 6:15 ele apareceu.
Seus raios se espalhavam pelo céu, tomando conta de tudo e todos. A cada milésimo de segundo uma parte sua se fazia mais presente. Não mais o silêncio ocupava o papel principal.
Robusto. Aceso. Quente.
Como uma planta, parecia precisar incansavelmente daquilo para viver.
O reflexo na água. O horizonte. Os pássaros. Era como uma pintura. Meus olhos não podiam acreditar no que estavam vendo. Nem mesmo os ouvidos escutando o que escutavam. Nem a pele sentindo o que sentia. Nem o nariz cheirando o que cheirava.
Cheirava vida.
Diante tantas possibilidades linguísticas e audiovisuais de traduzir tal experiência, uma simples expressão pode defini-la melhor do que qualquer outra tentativa. A Amazônia, cada mínimo pedaço seu, diz sobre o presente da vida. E de viver.