A Mulher de Preto

Dudabravofreire
Iandé
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4 min readMay 29, 2020

Era 2014. Pelo menos a primeira vez que eu de fato me lembre, a vez que me marcou. Sempre tive problemas para dormir, principalmente com o escuro. O momento de fechar o livro de histórias e apagar a luz era o pior. Eventualmente eu caía no sono, mas era uma tarefa que eu me esforçava muito para acontecer antes que meus pais terminassem de dar boa noite. Enfim, 2014, dormir não era lá grande coisa, mas eu reconheço que tinha evoluído. Tinha acabado de reconfigurar a dinâmica do meu quarto, de modo que agora ele tinha tudo a ver com a minha personalidade adolescente da época. Ficar lá sozinha noite afundo estava se tornando mais prazeroso.

Eu havia colocado a minha cama de modo que sua lateral ficava encostada na parede, assim como sua cabeceira, enquanto meus pés ficavam à mercê de um breu, que crescia gradativamente, até chegar no canto escuro da parede. Nesse dia eu dormi tranquila, o quarto estava escuro, exceto pelo feixe de luz da porta. O canto escuro estava lá, e foi com ele que me deparei ao acordar no meio da noite. Talvez estivesse dormindo ainda, ou apenas não completamente acordada, mas meus olhos estavam abertos e minha visão era clara. No canto havia algo, imóvel. Havia alguém.

Meus olhos percorriam o espaço sem luz de cima abaixo, “aquilo” parecia uma mulher. Mas não uma mulher qualquer. Seu corpo era alongado, como se tivesse sido modificada verticalmente em um photoshop. Assim como seus braços e dedos, desproporcionalmente longos. Os cabelos eram compridos e usava um vestido desgastado. Toda em preto. Eu sentia meu coração bater rápido, tentava respirar, mas o ar parecia mais pesado que o normal. Tentei tomar um segundo de racionalidade para traçar a linha entre o imaginário e o real. Então ela se moveu. Veio em minha direção, esticando seu braço, como se tentasse me tocar. Pulei da cama a caminho da luz e do quarto dos meus pais. Eles vieram me amparar, mas no canto já não havia mais nada.

Após essa noite o episódio se repetiu. O canto escuro fazia eu me certificar mais de uma vez que meus pés estavam bem cobertos. Recorri ao abajur, a televisão, diferentes formas de luz que pudessem me abrigar, mas de alguma forma, a sombra na parede reluzia para dar forma a esse “ser”. Considerei ajudas de cunho espiritual, “a casa está limpa” garantiu minha mãe, mas de qualquer modo, recebia visitas. Mas ao mesmo tempo aquela figura me fascinava. Eu nunca a conseguia ver direito, sentia que beirava a morte cada vez que tentava encarar o que quer que fosse aquilo. Mas ao mesmo tempo que fazia de tudo para afastar os pensamentos antes que tivesse que enfrentar a hora de dormir, meu cérebro ficava voltando, revivendo, revirando, repensando. Eu desenhava, mas nunca exatamente o que via, por puro medo de poder estar atraindo ou provocando certa ira em algo que eu nem sabia definir. Ela de certa forma me controlava, e o que mais me incomodava nessa situação, era que, mesmo com a minha idade, tivesse algo tão imaturo como “medo do escuro”

O médico colocou como “alucinação hipnopômpica”. Basicamente, é como se o cérebro ainda estivesse acordando, logo não consegue trazer as imagens pro consciente com tanta precisão, tanto pro lado bom, quanto pro ruim, assim você pode ver um gatinho na sombra, ou uma mulher amedrontadora. A partir disso foi me recomendado que eu focasse, independente do meu medo, no que eu estivesse vendo. Botasse meu cérebro pra funcionar, até que eu realmente só visse um canto. E deu certo, eu passei a dormir cada vez mais tranquila e não tive mais visitas. Tive muitos momentos, não acender a luz era meu maior desafio. E ficar cara a cara com algo tão grande quanto minha imaginação poderia criar me dava calafrios. Sinto que aos poucos ela foi perdendo força.

Anos depois, eu bem mais velha, a cama inclusive em outro lugar, eu dormia bem mais tranquila. Um dia minha mãe estava dormindo comigo, meu irmão (mais velho) a chamou, disse que viu uma mulher o observando pela fresta na porta. Mas estava apenas relatando o susto, achou que fosse ela. Minha mãe voltou e se deitou ao meu lado. Ela diz que eu acordei dando um grito “Ela está ali”. Eu não lembro. E embora não acredite, eu não faço ideia do que ela possa ser.

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Iandé
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Experiência Estética: A expressão de uma experiência vivida. Criações dos alunos da disciplina Estética ministrada pela professora Edilamar Galvão no 3o semestre dos cursos de Cinema, Cinema de Animação, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Rádio e TV e Relações Públicas da FAAP

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