A Rua Javari

Matheus Bosco
Iandé
Published in
3 min readApr 18, 2018

Sou um frequentador de estádios. Nas arquibancadas costumo sentir um sentimento que não se equipara a lugar algum. A que mais frequento é a do Morumbi, como são-paulino fanático já perdi as contas de quantas vezes já estive por lá. Além disso, sou quase um estudioso de torcidas, conheço músicas, estádios, torcidas organizadas, barras bravas e diversos outros detalhes de torcidas espalhadas pelo mundo.

As emoções mais intensas, porém, são raras na arquibancada. De cara me recordo da primeira vez que entrei em um estádio, ou a primeira vez que entrei no Morumbi, mas sentir emoções parecidas é difícil. Porém, ano passado vivi um sentimento bem especial.

Antes de falar qual, é necessário contextualizar o atual cenário brasileiro dentro dos estádios de futebol. As caras arenas construídas para a Copa do Mundo de 2014 fizeram o preço dos ingressos inflacionarem. O alto custo afastou uma camada mais pobre da população dos estádios, que não possui mais poder aquisitivo para assistir seus times de coração. Isso acaba por produzir um estádio com atmosfera de teatro, a torcida mais rica é menos vibrante, mais calada. O distanciamento dessa torcida popular causa saudades nos frequentadores mais assíduos de arquibancada.

Assim, no ano passado, conheci pela primeira vez a Rua Javari. O estádio onde o Juventus da Mooca manda seus jogos no campeonato paulista da segunda divisão e em outros torneios de categoria de base. É conhecido por preservar a essência do futebol, e mais do que isso, a paixão de seus torcedores.

Música da torcida da Juventus que faz referência a elitização dos estádios brasileiros

De cara, a entrada do estádio já te coloca em uma atmosfera diferente. O mascote do clube, o “Moleque Travesso”, a arquitetura do portal preservada, o estádio inteiro pintado com o vermelho grená do clube, a “tia” do amendoim.

O modelo do interior do estádio segue a mesma risca, alambrados, títulos relembrados na parede, placar manual, árvores e casas em volta do estádio, todas viradas para o campo. Um estilo de estádio cada vez mais raro em um futebol moderno.

O alambrado e o placar manual, marcas registradas da Rua Javari

O diferencial está justamente na comparação com as modernas arenas construídas para a Copa do Mundo. A Javari prefere o cimento do que uma cadeira, uma bateria do que palmas, faixas e bandeiras de pano do que bandeirinhas de plástico, prefere que seu público assista o jogo em pé e não sentado, prefere um torcedor e não um espectador.

Torcedores e faixas da Juventus

Soma-se a tudo isso a identificação que o morador da Mocca tem com o Juventus. Criado por operários italianos, o time do bairro é até hoje o símbolo da imigração de diversos europeus. Juntos, eles comem cannoli na entrada do estádio, esbanjam camisetas com frases em italiano, como “Eu sou da Mooca, Bello!” e, principalmente, se reunem para ver a Juventus jogar, não importa a divisão ou adversário.

Uma das curiosas camisetas dos torcedores: "Juventus & Cannoli & Família & Dale ô Dale ô"

Uma pura experiência estética. A música vinda das vozes da arquibancada, o cheiro de churrasco, rojões e amendoins de fora do estádio, o paladar do cannoli e uma arquitetura antiga de um estádio bonito de se visitar. A Javari é parada obrigatória para todo amante de futebol.

Fotos: Fábio Soares do futeboldecampo.net

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