A temporada da minha vida.

Ana Beatriz De Caro
Iandé
Published in
4 min readApr 21, 2019

Durante toda minha vida tive a oportunidade de ir ao acampamento chamado Sítio Do Carroção. Desde os meus 6 anos, até os meus 18, duas semanas das minhas férias de janeiro e julho, eram lá. No total, foram 28 temporadas completas.

As temporadas foram me trazendo amadurecimento e muitas amizades. O carroção se tornou minha segunda casa e minha segunda família. Lá, eu era rodiada de pessoas maravilhosas que se tornaram amigos pra minha vida toda.

Dentro do carroção, em época de temporada, não podia levar e usar o celular, isso fazia com que nós nos desconectássemos do mundo e pudessemos aproveitar cada segundo. Eram as férias perfeitas, cheia de jogos, festas, aventuras com cachoeira e até uma piscina dentro de uma caverna.

Uma das competições/jogos que o Carroção faz nas temporadas de férias se chama ''Gincores'', que dividem todos os acampantes em 4 equipes, com 2 capitães — uma menina e um menino que eram escolhidos, que tinham mais experiência no sítio e mais temporadas-.

E é ai que entra a minha maior experiência e oportunidade da vida.

A temporada começa em um domingo, e na segunda tem a abertura da Gincores. Eles fazem igual a abertura do estádio das Olimpíadas. É emocionante e arrepiante, pois para nós acampantes, estar ali é tudo.

Na cerimônia de abertura, as equipes se apresentam com nome, cartaz e grito de guerra. Depois disso, é a hora do juramento e da tocha olímpica. E tanto a escolha de capitães, quanto a escolha da tocha e do juramento são extremamente importantes e esperadas para os acampantes mais velhos.

As bandeiras de cada equipe, a tocha e o juramento da abertura dos Jogos.

Durante todos os anos de Sítio do Carroção, a tocha olímpica da temporada sempre foi um menino e o juramento uma menina, que tinha uma história lá dentro. Mas ai que entra a questão, por que a tocha só menino, e o juramento só menina?!

Com o passar dos anos e com o nosso crescimento, tanto eu, quanto minhas amigas, aprendemos muito sobre nós, mulheres e de como o feminismo é necessário e importante para nossa vida. Nós levamos muito isso para o Carroção, por que nós viamos momentos que precisavam ser conversados para ter outros olhares.

A tal “ tocha olímpica “, que sempre foi posto dos meninos serem escolhidos para carregá-la na abertura dos jogos, é extremamente pesada. Assim, durante anos nenhuma menina teve a oportunidade de ser A Tocha da temporada. E foi ai que eu entrei pra história.

Foi na minha última semana que poderia ir ao carroção — por conta da idade- que consegui plantar uma semente. Após discussões pra ir atrás da nossa luta, fui escolhida para ser A tocha da temporada. Fui escolhida para carregar a tão falada e pesada tocha. Fui escolhida para ser a primeira menina da história do Sítio do Carroção a carregá-la.

Acendendo a tocha durante a abertura.

Quando me convidaram, passou um filme na minha cabeça. Chorei demais relembrando cada segundo que tive lá com amigos que são minha segunda família. Chorei pelo fato de que sim, eu fiz história lá dentro e que serei lembrada por inúmeras meninas que estiveram ali e que sonham em quando crescer ser a tocha da temporada.

Eu e meu amigo João Orth sendo Tocha e Juramento.

Eu fui anunciada no microfone na abertura com inúmeros elogios, e vim carregando a tocha andando lá do alto até a arquibancada. Foi uma sensação absurda, todos levantados me aplaudindo, gritando meu nome e felizes por mim. Foi a sensação de missão cumprida.

O apresentador falando sobre minha história no acampamento.

Ouvi muito nesse dia comentários como; “ A Ana Bia não vai conseguir, a tocha é muito pesada”, “ Com um bracinho de menininha desse, será que vai da certo?”

E foi isso o meu gás. Foi relembrar minha história, e pensar que estava criando uma nova história, que segurei aquela tocha com o maior orgulho do mundo, que se tornou no fim, uma leveza.

Depois de ter acendido a tocha, tem o carregamento da bandeira branca.

Foram 28 temporadas. Várias vezes sendo escolhida para ser a capitã de um time. E a primeira menina a ser a tocha da abertura dos jogos da Gincores.

Ninguém entende muito o por que quem vai para o Carroção, tem esse lugar marcado eternamente no coração. Lá, é o nosso refúgio, é onde nós podemos ser realmente quem somos, é onde nos permitimos viver cada segundo sem pensar no mundo caótico em que vivemos. É o nosso mundo ideal e mágico.

Muito tenho de agradecer à isso. Por ter me tornado a Ana Bia. E como sempre falamos; Permita-se, sempre.

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