‘Americanah’ e uma nova forma de olhar para a leitura
Uma reflexão sobre a leitura a partir do livro ‘Americanah’, de Chimamanda Adichie: ler é necessário para escrever bem atualmente?
Ler… dizem que é essencial. Nos fazem ler quando crianças. Nos dizem que precisamos ler para adquirir vocabulário. Na escola, sempre me disseram que eu escrevia bem. Sempre fui ótimo em gramática e gosto muito da matéria. Mas nunca consegui ler… sentar para ler e ficar lendo. Sempre foi um martírio. Quando começava, logo vinha a impaciência, o tédio, o sono… e eu tinha raiva de mim mesmo por isso. Queria ter a mesma bagagem cultural de leitura que alguns amigos tinham. Então, depois de muita luta e muita pesquisa para tentar entender de onde vinha essa minha dificuldade na leitura, me veio uma ideia: comprar um Kindle.
Kindle é um aparelho eletrônico de leitura digital. Ele utiliza uma tecnologia que dispensa a necessidade das luzes presentes em telas comuns. E, por isso, não agride os olhos como tais. Mas por que o Kindle foi tão importante para mim? Porque ele parece ter sido feito para preguiçosos. Pense só… você deita no sofá e segura o seu livro com uma mão só; escolhe o tamanho das letras e até a fonte; passa as páginas apenas com um dedo. Agora, compare com um livro, em que você precisa segurar o livro de diferentes maneiras desconfortáveis, se quiser ler deitado. Em resumo, o Kindle me ajudou muito pela praticidade que ele proporciona.
Antes do Kindle, eu só havia lido livros para a escola, e mesmo assim, apenas os que me interessavam. Do contrário, eu só lia um resumo na internet e perguntava os pontos essenciais para os meus amigos. Nunca peguei recuperação. Então, com o Kindle em mãos, pedi dicas de livros a uma amiga leitora. Eu queria algo fácil e gostoso de ler. Um romance ficcional e romântico, já que é um gênero que sempre me agradou no cinema. O livro indicado foi “Americanah”, de Chimamanda Ngozi Adichie. Ele foi muito premiado e se trata das experiências amorosas e sociais de Ifemelu, enquanto se muda da Nigéria dos anos 1990, sob uma crise militar, para os Estados Unidos, buscando uma educação universitária melhor. No livro, Ifemelu (a personagem principal) escreve um blog chamado “Observações diversas sobre negros” e fala sobre as diferenças entre negros não-americanos e negros americanos, entre negros e brancos, entre a cultura nigeriana e a cultura americana, além de outros tópicos similares.
O que mais chama a atenção no decorrer do livro são os questionamentos complexos sobre raça, aparência, cultura, amor e sexo. Questionamentos que eu nunca teria feito sozinho, porque não sei como é ser negro. A leitura também é muito fluida. Não há muita descrição e, quando há, é bem breve. O ritmo das cenas é sempre desencadeado por ações, o que concede certo dinamismo ao livro. Os capítulos também são bem curtos: levam cerca de 10 a 50 minutos para terminar.
E perceba que eu falei em minutos. O Kindle não te mostra o número de páginas do livro, apenas a porcentagem que você leu até então e o tempo para terminar o capítulo, o que, para mim, também é ótimo, já que consigo medir com bastante precisão quanto tempo vou demorar para ler um capítulo, se quiser fazê-lo antes de dormir ou antes de entrar em uma aula, por exemplo.
Além das experiências de uso do Kindle e da leitura de um livro por conta própria pela primeira vez, passei a questionar algo que sempre me disseram: que é necessário ler muito para ter vocabulário. No entanto, por que sempre me disseram que eu tenho um bom vocabulário e escrevo bem? Creio que isso se deve a um erro enorme na frase acima. Na minha opinião, não é necessário ler muito para escrever bem. No meu caso, eu sempre gostei de estudar a estrutura das línguas, da gramática, do português, do inglês… e, por mais que eu não tenha lido muito na vida, eu sempre observei a forma como cada pessoa fala, os “erros” gramaticais, as variações linguísticas, as legendas e dublagens de filmes. Portanto, atualmente, com o aumento significativo da acessibilidade a outros meios de comunicação, como o cinema, acredito que não seja necessário ler para ter um bom vocabulário e uma boa escrita. O necessário é se dispor a viver diferentes experiências e procurar ativamente pelas relações lógicas da linguagem nessas experiências.