Café

A.
Iandé
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2 min readOct 13, 2018

E, mais uma vez, lá estava ela. Sozinha com seus cigarros, enquanto alguma triste melodia tocava. O universo conspirava para aquela cena parecer um vídeo clipe melancólico: o céu nublado, as roupas que ela escolheu, o vento gelado. E antes que percebesse, ela não estava mais lá, tinha mergulhado nas memórias antigas e enferrujadas. Memórias que ela sempre tentava enterrar, mas que nunca se decompunham. Estas, sobre amantes de um tempo que ela tentava ser o que todos queriam que ela fosse. Entretanto, quanto mais ela fugia disso, mais ela virava o eterno clichê da garota depressiva. Aquela dos filmes alternativos que estava sempre esperando por um amor impossível que a salvaria de toda aquela solidão e dor. O protagonista descreveria o beijo dela como algo doce, mas selvagem, com gosto de café e cigarros.

Todos sabem como essa história acabaria, ela se apaixonaria e o amor dele a salvaria. E se ela tentasse fugir disso, caia na imagem da garota independente que se salvou ou se matou, mas essa história nunca vendia. No fundo ela sabia que não importava o que ela tentasse fazer, ela sempre virava algum cliché. Até ela perceber que a sua situação era pior. Ao se olhar no espelho, só via uma figurante na história dos outros. Os outros… A sua vida sempre girava entorno dos outros. Os outros podiam fazer o que quisessem com ela. A garota se via como o ser vivo mais eficiente, sempre se adaptando ao meio, sempre sendo o que os outros precisavam que ela fosse. Ela já foi a amiga, a amante, a namorada, a inimiga, a vilã, a conselheira, mas nunca a heroína. Esse último não era o papel dela, não era um papel para uma garota, muito menos uma garota como ela.

E ela não conseguia deixar de se perguntar: o que era ser uma garota como ela? Mas nunca achava uma resposta. Sempre se descreveu pelos olhos dos outros. A síntese de sua vida era um ciclo inquebrável, no qual os mesmos questionamentos se repetiam. Sempre que se achava, se perdia em outra pergunta.

“O que eu sou?”

“O que eu quero ser?”

“Quem eu fui?”

A resposta era sempre a mesma: “não sei”

Por mais que ela mudasse, por mais que ela tentasse, no fundo ela ainda era aquela criança mimada e com medo do escuro.

Em algum ponto de sua vida começou a tomar remédios: primeiro foram os analgésicos. Tomava um, outro, mais um, em uma tentativa falha de apagar todos os seus sentidos. Depois de perceber a ineficiência destes, as tarjas pretas tomaram conta de seu armário. Apesar de tentar separar a sua vida em “antes dos remédios” e “depois”, ela não via diferença. Se os tomasse, ela não sentia. Era como se algo dentro dela estivesse congelado. Mas se não tomasse, as emoções a afogavam até ela transbordar e não sentir mais nada. O resultado era sempre o mesmo: um vazio existencial que não se configurava em dor, e sim em nada. Um tédio súbito que tomava conta de seu ser e a irritava.

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