Com a mão esquerda é mais gostoso

Guto Gomes
Iandé
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4 min readApr 24, 2019

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por Guto Gomes

A fruta durião, em um tamanho um pouco maior.

Quando tinha mais ou menos oito anos, pedi à minha mãe que me colocasse em uma escola de arte. Se eu me propor a pensar de onde surgiu a ânsia de ir atrás dessa ideia ao invés de ir jogar bola no campinho, ou jogar videogame, eu até posso chegar à uma resposta. Até porque, dentro do meu universo de criança, eu não me interessava por nenhuma dessas coisas. Mas nesse contexto, não sei qual era o âmago da vontade, o que eu queria atingir. Provavelmente nada, eu era uma criança, não um babaca pretensioso.

Entretanto, eu sabia que algo estava crescendo ali, de certa forma. Frequentei a Escola por quase dez anos, vi gente ir e vir e aprendi a executar inúmeras técnicas e materiais de desenho, gravura e pintura. Se hoje posso considerar que tenho a capacidade de enxergar o mundo não apenas como massas vazias caminhando pelo espaço, isto se deve aos meus anos de amadurecimento na Escola de Arte. Foi lá que eu aprendi a observar as cores, sombras, luzes, seres vivos e objetos de forma mais atenciosa, criteriosa e objetiva. Além disso, também cultivei meu amor e fascínio pelas artes, em todas suas formas, e consequentemente, por fazer arte.

No estágio inicial do curso, era necessária a realização de diversos exercícios de observação, em que, basicamente, deveria-se observar uma figura básica ou um objeto, e passá-lo para o papel com a maior quantidade de detalhes possível. Em uma destas tarefas, tive que realizar algo inusitado: desenhar com a mão esquerda. E desenhar para valer, com degradê e o diabo. O objeto que eu deveria segurar na mão direita era uma frutinha ressecada, fedida e levemente espinhosa, coisa que eu nunca havia visto. Até hoje não sabia o nome, mas pesquisei e descobri que chama-se “durian”, ou “durião”.

Inicialmente, achei que seria desagradável manejar o lápis com a mão esquerda, imagine então esboçar uma imagem inteira. Depois de cinco ou dez minutos, coloquei a ação em prática, e cheguei à uma conclusão: fazer aquilo era profundamente irritante. Todavia, continuei desenhando. Após cerca de vinte ou trinta minutos, passei a controlar melhor o material, além de minha própria coordenação. Fazer o sombreado e traçar as linhas da mão começou a se tornar tão simples e prazeroso quanto realizá-lo com a mão direita. Mesmo que o resultado final tenha ficado um tanto quanto bruto, a experiência de fazer algo que eu vivia fazendo, mas de uma forma completamente diferente foi libertador. Era como se minha capacidade motora tivesse sido expandida, não estando limitada somente à uma mera mãozinha. Senti como se eu tivesse me superado, de certa forma, e mais: eu aprendi a desempenhar algo de forma incomum, fora da zona de conforto. Foi uma tarde extremamente marcante para mim, e guardo-a com carinho até hoje.

Eu realizando o desenho do durião, aos nove anos de idade (aproximadamente).
Do lado esquerdo, o desenho feito pela mão esquerda, e vice-versa / Grafite sobre papel

Além da questão da experiência estética, devo ressaltar o meu apreço e admiração pelos dois professores que me guiaram durante anos, sempre com muita atenção, paciência e tato: Caio Santos e Verônica Jorge. O casal, que começou a lecionar em sua casa, transmitiu-me conceitos essenciais sobre a vida, a arte e o papel do artista no mundo. Seja lá para onde eu for, estarei sempre em dívida e em eterna gratidão à estes dois, que por uma longa fase representaram, para mim, uma certa extensão da minha família. Atualmente, a Escola de Arte chama-se Instituto Cultural Caio Santos, e localiza-se na zona norte de São Paulo, ainda a poucos minutos de minha casa.

Caio Santos e Verônica Jorge em uma exposição da escola / Meados de 2012.

Seguem abaixo mais alguns desenhos que fiz durante o curso.

Bule / Grafite sobre papel.
John Lennon / Grafite sobre papel
Gandalf / Pastel seco sobre papel cartão
Davy Jones / Caneta esferográfica sobre papel.
Jack Sparrow (Capitão) / Pastel seco sobre papel cartão

Antonio Augusto Nakashian Gomes

Turma 3BPM20191 — RTV (9h20)

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