Como se alguém colocasse cubos de gelo por dentro da minha camisa.

Camila Caldas
Iandé
Published in
3 min readApr 24, 2019

Ser mulher, é construção social. É lidar o tempo todo com linhas tênues. É a tentativa diária de se equilibrar entre a independência e a intimidação, principalmente quando falamos sobre nosso corpos; corpos estes que também sentem prazer, mesmo que as vezes esquecido socialmente. A sexualidade feminina, é, de fato, marcada pela falta de conhecimento do nosso corpo e da comunicação. Desde pequenas, somos instruídas a ‘’nos preservarmos’’ e a não entender sobre nosso prazer, apenas servi-lo aos homens. Devido aos códigos patriarcais, as mulheres tendem a afirmar menos a sua sexualidade, muitas moças, inclusive, nunca tiveram um orgasmo na vida. O fato de as mulheres chegarem ao orgasmo ou não também está diretamente ligado ao desconhecimento técnico que os homens possuem da anatomia feminina. Não por falta de informação disponível: muitos procuram sites pornográficos na internet, mas não fazem o esforço de investigar a realidade do universo feminino. O primeiro orgasmo, para mim, foi a descoberta de um corpo livre, um corpo que pertence somente a mim mesma e que merece sentir prazer, também como os corpos masculinos que sempre foram incentivados a senti-lo.

''Mulher, a árvore dos frutos selvagens'' Fotografia de Camila Caldas, São Paulo, 2019.

Ter encontrado o lugar do feminino dentro da minha própria sexualidade aos 16 anos de idade, foi um grande passo para mudanças da percepção do meu local como mulher na cultura e na sociedade. Foi a partir dai que me inseri em um espaço feminista, onde eu compreendi que nossos corpos são, até hoje, aprisionados na ideologia patriarcal em que o homem é visto como padrão, a norma, e eu, sou vista como inferior a ele. Sendo o prazer dele, portanto, de maior importância que o meu.

Eu achava que sensações de prazer eram orgasmos. Mas ainda sim, tinha algo que me incomodava. As descrições que as pessoas faziam do orgasmo, não era como eu sentia. Na época, eu achava que somente o parceiro deveria comandar o sexo. Incentivei a me auto conhecer e foi quando tive o primeiro orgasmo, dois anos depois da minha primeira relação.

O orgasmo em si, foi muito mais do que apenas uma experiência gostosa onde eu pude sentir meu corpo relaxar, por inteiro. Onde minhas pernas e braços formigavam. Foi como se alguém colocasse cubos de gelo por dentro da minha camisa. Muito mais que isso, foi me descobrir livre para sentir aquilo sem culpa, foi quando desisti de procurar prazer em outras pessoas e ergui autonomia, percebi que podia ser meu próprio prazer e também podia recebe-lo de outras pessoas, não apenas dar aos outros. Por que eu também merecia. Toda mulher merece, e pode.

Meu primeiro orgasmo me trouxe mais que sensações: me abriu a mente para entender o que meu corpo significava na sociedade que vivo, para entende-lo como politico. O homem pode e deve conhecer sobre as mulheres e entender que ela também merece sentir o prazer durante o sexo tanto quanto ele. Meu primeiro orgasmo foi com uma mulher, e realmente senti que alguém estava respeitando meu prazer e sexualidade tanto quanto a dela, pela primeira vez. Nosso trabalho deve ser preparar a próxima geração de mulheres para nos superar em todas as áreas, esse é o legado que devemos deixar. O direito ao prazer é de todos.

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