Nesses período da eleição para o segundo turno presidenciável, minha experiência estética foi sair todos os dias com o adesivo do candidato Fernando Haddad em meu peito, que originou esse poema-desabafo.
DA CABEÇA AOS PÉS
esses dias fui dormir
nessa conjuntura de tragédia anunciada, acordei e o desespero foi perceber
o pesadelo não estava no sonho, nada! aquilo era a realidade.
meu peito apertou e precisava agir
eu, que me achei na luta, não podia ficar parada ali
no lugar daquela agonia, coloquei um adesivo
tal qual curativo de criança que menos cura e remenda aquele eu em pedaços,
e mais chama atenção para a experiência vivida
como um choro indiscreto da dor sofrida, na busca sincera de uma acolhida
acolhida? pfff…
olhares rancorosos, palavras de ódio:
“vem cá gatinha que eu te mostro o candidato certo!”
“feia e burra tinha que votar no PT!”
“PUTINHA DO HADDAD!”
para! é muita coisa, preciso respirar
nesse metrô lotado vou colocar uma música pra tocar
“eu sou, eu sou, eu sou…”
empurrada no metrô, o esbarrão da intolerância
puta, vadia, aborteira, bandida
mau amada, mau comida!
eu? eu que tô nessa campanha pelo direito de amar?
calma aí, meu amigo, eu só queria conversar!
mas eu não posso, não podemos
afinal, se você concorda que “tinham que ter matado uns 30 mil”
o que é uma a mais, ou a menos?
e olha só, importante colocar:
se me xingam assim, eu, branca, na linha amarela
imagina o que não estão fazendo com a negra na favela?
você diz que é liberdade de expressão
mas qual a liberdade? se você me fala com uma arma na mão!
não mascare de antipetismo o fascismo que mora aí
seu ódio não é contra um partido, é contra o meu direito de existir!
e antes que me acusem, que “tá fora de contexto”
essa é a história da minha vida, e dela eu conheço
o meu corpo é essa história
a que você pretende violar, violentar, invadir
mas sinto muito, eu já me ocupei inteira
porque dentro de mim habitam
aquelas que você mandou prender, torturar, matar
Dandara, Amelinha, Maria da Penha, Marielle
no meu peito: presentes!
e muitas outras de nós
que me receberam nessa caminhada com sorrisos, afetos, cumplicidade
vivências que só nos são permitidas no diálogo
na empatia
no olhar no olho quando se levanta a cabeça das mentiras pagas do whatssap
o seu ódio não me dá medo
ele me dá coragem
porque se meu corpo é a história que pretendo
para o meu país
ele estará, todos os dias
construindo a resistência e a democracia
e o tiro que você dispara na minha direção
sairá pela culatra
pois você não atira só em mim
mas naquilo que me habita:
sou multidão!