epifania

por: Aline Lewinski

Aline Lewinski
Iandé
4 min readApr 19, 2018

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Um take do documentário "Epifania", que fiz com uma amiga, sobre a experiência na Amazônia.

LINK DOCUMENTÁRIO: https://vimeo.com/265482835

Durmo com as estrelas. Acordo. Olho em volta. Estou circundada por águas negras. O frio da noite se convertera em calor matinal. Os sons, inicialmente altos e estridentes de grilos e sapos, já não mais me perturbam. Pelo contrário, agora reverberam em uma espécie de silenciosa sinfonia florestal, quase como em uma canção de ninar. Sinto o meu corpo se mover, de um lado, para o outro. O chacoalhar da rede alia-se ao chacoalhar do barco e ao movimento circular do universo.

Era assim que eu acordava todos os dias, durante a uma semana que passei no baixo do Rio Negro, na Amazônia. Apesar da aparente sensação de calamidade e silêncio, não se tratou de uma experiência totalmente individual, ou seja, da minha própria conexão com a natureza, mas sim, da descoberta do outro. Tanto o outro que eu via todo dia na escola, uma vez que esta era nossa viagem de formatura, e logo, dividia o barco com mais 50 outras pessoas, quanto os tantos outros que conheci na Amazônia: Grazieli, Clemência, Yalon, etc.

Eu, diante do barco.

Nossa rotina era intensa, seja pela quantidade de atividades a serem feitas, seja pela dificuldade de adaptar aspectos tão cotidianos da vida em São Paulo, mas que agora se tornavam grandes desafios. Por isso, criamos pequenos rituais. Por exemplo, como só havia duas pias no barco, precisávamos encher nossas canecas e utilizar essa água para o processo de escovar os dentes. Sim, tudo bem fazer o gargarejo na água do rio, o fluxo é muito intenso para sequer causar algum impacto. Para comer, íamos para um barco-restaurante, e igualmente tudo bem jogar a casca da melancia que você comeu de sobremesa no rio, é orgânica. Dormíamos em redes. A energia no barco, por sua vez, só funcionava a partir das 6 da tarde, que era o momento em que podíamos carregar a bateria de nossas câmeras. E a pergunta que não quer calar, havia conexão à internet? Definitivamente, não.

No entanto, o momento mais especial e aguardado do dia era definitivamente a hora do banho. Banho este tomado no próprio rio, pouco antes ou, às vezes, durante o pôr-do-sol. Era um tal de pular na água, voltar para o barco para passar shampoo, pular denovo na água para enxaguar, retornar ao barco para passar condicionador, mais uma vez água, e por aí vai.

Cadeira escolar disposta aleatoriamente no meio da Comunidade Bela Vista.

Acordar na Amazônia significava, portanto, aprender, de certa forma, a viver denovo. E, para isso, precisávamos de referências, isto é, entender os hábitos dos que ali moram. Pode-se dizer então que a viagem foi dividida em dois momentos. No primeiro, passamos três dias na comunidade ribeirinha de Bela Vista, onde, sobretudo, interagimos com as crianças.

Seu Manoel.

Ademais, em um dos dias, tivemos a oportunidade de dormir no meio da floresta, guiados pelo Seu Manoel, um senhorzinho muito carismático que, inclusive, caminhava descalço pelas trilhas, em sua plena convicção nos deuses da natureza. Nessa noite, jantamos em volta da fogueira, utilizando "folhas" como pratos, e Seu Manoel nos contou algumas das lendas da região, bem como coisas místicas que haviam se passado com ele próprio. Na segunda parte da viagem, por sua vez, nadamos com botos-cor-de-rosa, visitamos duas comunidades indígenas e o município de Novo Airão.

Pequena índia Kambeba.
Cemitério sobre a areia, em uma das margens do Rio Negro visitadas.

Enfim, o que ainda tenho para falar da minha experiência na Amazônia talvez seja tão grande quanto a própria extensão de 5.500.000 km² da floresta. Porém, algumas sensações não nasceram para serem escritas. São epifanias. Estéticas, sensoriais e transcendentais, em um nível que faz-se necessária aqui a manjada máxima "é preciso viver para entender". E como diria uma amiga minha: "o sol nascerá amanhã denovo na Amazônia, e nós continuaremos aqui, com saudades de lá e de nós mesmos", já que, com a mais plena certeza, uma partezinha de cada um de nós ficou pelas terras úmidas e areias brancas amazônicas.

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