Escrita à moda antiga

Lara Takazaki
Iandé
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5 min readApr 20, 2019

Eu tenho uma máquina de escrever portátil, uma Hermes Baby da cor vermelha, objeto herdado da minha mãe. Ela estava escondida e quebrada, dentro de um armário na casa dos meus pais. Assim que minha mãe morreu e todos os familiares se dispuseram a analisar o espólio da falecida, este objeto me chamou bastante atenção.

Sim, porque ele é esteticamente agradável. Mas também porque lembro da minha mãe falando que ganhou assim que ingressou na faculdade. Ela tinha bastante apreço por aquele objeto, pois meu avô se esforçou muito para comprá-lo, visto que era caro na época. E claro, trata-se de uma peça de valor histórico, que ultrapassa o limite pessoal. Ele seria um ótimo objeto decorativo, mas também tinha o desejo de utilizá-lo no sentido prático, já que sempre gostei de escrever.

Nome da minha mãe, Olga Kazue Takazaki, grafado na parte interna da máquina de escrever.

Com o consentimento dos meus familiares, tomei para mim a máquina de datilografar e tratei de procurar algum profissional capaz de fazer o seu conserto. Em site de pesquisas, foram apresentados até três pessoas capazes de fazer este tipo de serviço na cidade de São Paulo. No entanto, apenas um telefone realmente existia. No final de 2016, após uma sessão de análise, eu fui à Rua do Carmo, no centro da capital, reparar meu novo brinquedo.

Após cerca de duas semanas, fui comunicada de que a máquina estava pronta para retirada. Me recordo de ter ido buscá-la e, logo na sequência, pegar as chaves do apartamento o qual iria me mudar. Ela foi o primeiro objeto a entrar no meu novo lar! E merecia um lugar especial. Atualmente, ela fica junto a objetos que eram da minha mãe, uma espécie de tributo à sua vida.

Cantinho de homenagem à minha mãe, com objetos que lhe pertenciam e me trazem boas lembranças.

Com suas funcionalidades em perfeito estado, eu escrevi uma ou duas frases para testar, o quanto antes. E também coloquei uma folha e escrevi me deixe um recadinho, em tinta vermelha, que ficava encaixada na máquina. Imaginava meus amigos digitando alguma mensagem para mim, quando me visitassem. Porém, uma única amiga chegou a ver a proposta e fez pouco caso. Desisti da ideia.

Enfim, até o momento desta experiência estética, a minha máquina de datilografar estava em casa como mero objeto decorativo. Eu nunca havia me aventurado a realmente escrever algo nela. Havia algumas supostas justificativas para mantê-la em seu lugar costumeiro: ela é bonita, pesada e não foi muito barato consertá-la. Mas afinal, eu consertei ela para não utilizá-la? Não pode ser. Percebi que a procrastinação havia me feito esquecer de fazer seu uso.

Peguei uma folha sulfite em branco e comecei a escrever o que me deu na telha. O resultado foi esse:

Eu já tinha tido a experiência de datilografar, mas há muito tempo (pelo menos 20 anos). E como mencionado no texto digitado na máquina, me limitava a escrever poucas palavras que não ultrapassavam uma linha, em folhas de cheque. Por isso, ao colocar em prática uma redação, percebi algumas dificuldades:

  • Um marinheiro de primeira viagem talvez não percebesse que a letra “L” minúscula faz o papel do número “1”;
  • E eu não consegui encontrar algumas pontuações, como o ponto de exclamação: “!”;
  • Delimitar as margens e o espaçamento entre as linhas requer um olhar apurado e habilidade manual, pois dependem do uso preciso da alavanca à esquerda;
  • É necessário estar muito atento ao datilografar, pois uma vez que se comete um erro, será difícil apagá-lo ou disfarçá-lo. Não há o botão deletar, como estamos acostumados nos computadores. Por este motivo, há diversos erros de português no texto;
  • As teclas são pesadas, mas se você apertar com muita força, a letra fica presa no papel, sozinha ou com outras letras. Em outras palavras: há uma dosagem ideal de força a ser aplicada nos botões para que o texto flua.
Uma das dificuldades: duas letras presas no papel.

Além desta composição, escrevi pequenos pensamentos aleatórios para ver se conseguia melhorar a questão do espaçamento entre as linhas. Acredito que progredi, mas não o suficiente para ficar bom. Utilizei a cor vermelha apenas para testar de novo, achei bonito o seu tom. Ademais, decidi pressionar todas as teclas, uma a uma, pois como disse acima, não consegui encontrar o ponto de exclamação “!” e estava determinada a entender como fazê-lo.

Em comparação a um notebook, um instrumento portátil que uso com frequência para escrever, a máquina de datilografar é bem mais pesada. O MacBook Air que uso atualmente pesa 1,35 kg. Já a Hermes Baby tem 3,6 kg. Contudo, deve ter sido uma grande inovação na época a possibilidade de levá-la para qualquer lugar, já que máquinas de datilografar anteriores eram bastante robustas.

Quando criança, me recordo de fazer cursos de datilografia para teclados de computadores, o que parece não fazer mais sentido para mim. Isto porque, com a prática, que possibilita o erro e o conserto, acostuma-se de forma rápida a escrever em computadores. Já com as dificuldades descritas na hora de redigir um texto no datilógrafo, acho que o fator costume se torna um pouco mais complexo e demorado. Além disso, acredito ser muito bem justificado os cursos de datilografia, novamente, com base nos problemas que descrevi neste post.

Acima à esquerda: tecnologias de tempos distintos que foram comparadas, lado a lado. Demais imagens: outras máquinas de escrever, demonstrando que este modelo tem uma tampa, que a transforma em uma maleta, fazendo com que se torne portátil.

Apesar dos pontos negativos do datilógrafo mencionados, acredito que a escrita na máquina me agrada mais que a no notebook. Os sons dos botões e do sino ao final da frase causam nostalgia. E também tenho que ponderar com mais cautela sobre o que será colocado no papel. Desta maneira, sou obrigada a contemplar por mais tempo os meus pensamentos antes de externalizá-los. Por isso, espero fazer do seu uso um hábito, dar vida à sua existência!

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Lara Takazaki
Iandé
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