Eu e o espelho

Ando me estudando muito no espelho. Analisando, criticando, elogiando, simplesmente olhando

Julia Campos
Iandé
2 min readMay 12, 2022

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Vejo cabelos lisos e claros. Não se parecem com o cabelo da minha mãe, pretos e cacheados; mas o queixo, o queixo é da minha mãe, um queixo forte e sobressalente.

Passo os dedos por ele, sigo a linha de seu formato até meu maxilar. Continuo explorando. Orelhas. Bochechas. Nariz.

O nariz. Costumava odiá-lo. Não odeio mais. Fico encarando a ponta curva que ele faz quando sorrio. Um nariz pontudo. Puxei do meu pai, e ele do seu pai. É minha herança.

Olho para baixo. Aí estão minhas mãos. Nunca tive mãos de moça, sempre foram fortes e um pouco robustas. Mãos de gente trabalhadora. Lembro-me que aprendi a ler a linha da vida na palma da mão. Sorte a minha: vou ter uma vida longa. Linha do amor, linha do dinheiro, linha do trabalho. Como pode tudo isso estar escrito em uma mão? Como ela sabe mais sobre minha vida do que eu?

Resolvo procurar por marcas. Marcas só minhas, personalizadas. Marcas que escondem histórias.

Uma queimadura na minha perna de quando encostei no escapamento de uma moto no sol. Já faz anos. Ela já está tão clara que nem parece que está mais lá, mas eu sei que está. Um calo no meu dedo médio. Um lembrete da época que se escrevia de caneta na escola.

Dou alguns passos para trás. Olho o todo, dos pés à cabeça. Como estou acostumada com essa imagem. Ainda assim, gosto do que vejo. Sei navegar pelo azul dos meus olhos, sei domar a rebeldia do meu cabelo, sei contornar as linhas do meu sorriso. É reconfortante.

Em algum tempo, sei que a figura no reflexo não será a mesma. Neste dia terei que redescobrir quem mora no espelho.

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