A beleza da Auto-Destruição

Vinícius Pascal
Iandé
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4 min readApr 22, 2019

Eu não me lembro bem da primeira vez que vi “Medo e Delírio em Las Vegas”, que provavelmente serviria como uma melhor inspiração para esse texto, mas lembro perfeitamente de quando vi “Clube da Luta” e achei que apesar de completamente caótica e disfuncional havia uma certa beleza na auto destruição de Edward Norton. Geralmente se tem uma visão negativa sobre o assunto, mas pensando por um viés um pouco mais “positivo”, pessoas auto-destrutivas estão mais abertas a se reinventarem (não por opção, e sim por coerção de si mesmas). É trágico? Completamente. Cômico? Depende. Mas em algumas raras ocasiões, a beleza da reconstrução se revela em momentos auto-destrutivos, como uma versão manca e troncha de uma fênix.

Alguns diriam que apostas são uma maneira divertida de se auto-destruir. Claro, existe um limiar que separa essa diversão: perder metade de um pagamento por um trabalho em apostas te dá a alcunha de irresponsável, ou até mesmo idiota; perder o dinheiro da escola dos seus filhos ou a hipoteca da casa te dá no minímo um divórcio, uma ordem restritiva ou dormir no sereno. Mas partindo do pressuposto de que sim, apostas que não prejudicam tanto assim a sua e a vida das pessoas que você ama são divertidas, algumas pessoas apostam em esportes, outras apostam em cavalos. Algumas mais avançadas apostam em casinos e outras mais avançadas ainda apostam no mercado financeiro (que nada mais é do que o maior casino do mundo).

Partiremos do terceiro cenário, os casinos. No Brasil casinos são ilegais? Absolutamente. Mas como todas as coisas ilegais, há sempre alguém disposto a correr o risco. Há também o contexto, a faísca que impulsionará o caos, a justificativa para a auto destruição. No meu caso um término funcionou como o contexto. Por fim há o catalizador: o álcool, que fará com que as suas decisões sejam proporcionalmente mais passionais conforme a quantidade ingerida. Bom, temos o cenário, o contexto e o catalizador, a fórmula perfeita para a auto-destruição.

Como eu disse no começo esse texto trata da beleza da auto-destruição. Então dado todos os fatores do parágrafo acima, começo dizendo que até certo ponto a noite estava sendo agradável: alguns gin tônicas, algumas apostas certas no 21 e o consolo de um dos meus melhores amigos, que com a certa quantidade de álcool, personifica a auto destruição como uma versão menos glamurosa do lobo de wall street. O problema começa quando a quantidade de apostas corretas está desbalanceada com as apostas ruins. Você está perdendo dinheiro. Tenho um ditado com esse amigo quando se trata de apostas que é “easy go, easy go”. Conforme o dinheiro vai indo embora, a sua audácia nas apostas aumenta exponencialmente, numa tentativa desesperada (e um pouco burra) de recuperar o dinheiro perdido, e por volta das 3:30 da manhã tanto o meu dinheiro quanto o dele tinham ido embora por completo.

Uma pessoa razoável aceitaria a derrota e teria ido para casa, mas de novo, essa é uma história de auto-destruição, e já tinhamos ido longe demais para parar agora. Vem então uma brilhante ideia na cabeça de ambos. Um empréstimo. Após algumas ligações para amigos mais abastados, e com menos bom senso do que nós, para emprestar dinheiro para dois bêbados com problemas com apostas as 3:30 da manhã de uma quarta feira, estávamos de volta com 500 reais em mãos, metade do que fora perdido originalmente.

Com dinheiro em mãos, a coragem alcoólica, e a determinação de recuperar as perdas nos sentamos de novo na mesa. A derrota não era uma opção plausível: para mim significaria passar os próximos 15 dias do mês com apenas R$ 10,71 na conta e para meu amigo o prospecto era praticamente o mesmo. Tinhamos apenas 50 minutos para recuperar não só o dinheiro perdido mas o dinheiro emprestado antes que o casino fechasse e ambos voltassem para casa com a consciência de que foram completamente idiotas.

Começamos as apostas, da mesma forma audaciosa de antes. É ai que entra por fim a beleza da auto-destruição. Sim, naquela altura qualquer resquício de glamour havia se perdido, eramos dois bêbados, largados por suas respectivas mulheres, com dívidas e um vício moderado em jogo, e qualquer pessoa razoável diria que naquele momento a auto-destruição estava completa. Porém são nesses momentos raros, onde não se há mais nada a perder, em que se reconstruir do nada, em que sair do absoluto fracasso de uma forma majestosa ganha um ar glorioso, como uma fênix torta e troncha ressurgindo de uma pilha de cinzas, bebida barata e auto-depreciação.

Apostando em todos os lugares da mesa e observando como as pilhas de fichas cresciam percebi que a beleza está exatamente ai, em uma sensação comparavel a criação da vida, de criar algo belo a partir do nada. Claro, o sorriso de alguém amado me faz bem e ainda me emociono quando ouço a parte do “inverno” nas quatro estações de Vivaldi, mas naquele exato momento nada me faria sentir melhor como a sensação de ter recuperado aquelas apostas, a sensação de ter uma vitória em um dia completamente marcado por derrotas.

Faltando 5 minutos para fechar, conseguimos atingir o objetivo. Provavelmente para quem via de fora, a cena não deve ter sido nada demais, mas para nós naquele momento era algo comparável com dois gladiadores que haviam saído de uma batalha. Um rock tocava ao fundo, e eu comemorava com as fichas na mão enquanto meu amigo pedia a ultima rodada. Pagamos o empréstimo, recuperamos nosso dinheiro, e quem diria ainda saímos com um modesto lucro. Para o espectador alheio talvez não seja a história mais tocante mas posso garantir que foi uma baita experiência. Seria um ótimo final se não tivessemos perdido tudo na semana seguinte.

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Iandé
Iandé

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Experiência Estética: A expressão de uma experiência vivida. Criações dos alunos da disciplina Estética ministrada pela professora Edilamar Galvão no 3o semestre dos cursos de Cinema, Cinema de Animação, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Rádio e TV e Relações Públicas da FAAP