Eu pensei que fosse um alien
Lá pelo meio da adolescência, entre agonias e frustrações, eu pensei que fosse um alien. Não literalmente. Eu não pensava que meu corpo vinha de um planeta distante ou que eu era resultado de algo como uma abdução, isso seria pretensioso e infantil demais. O que aconteceu, na verdade, foi que eu descobri um álbum da Soko, música francesa, que tem esse nome (I Thought I Was An Alien, 2012), e talvez tenha sido a coisa que mais conversou comigo durante toda uma fase de crescimento conflituoso.
As 15 músicas do álbum pareciam ser transcrições dos pensamentos que, até hoje, tenho dificuldade em expressar. E eu escutava por noites a fio, quieta no meu quarto mal iluminado, encostada na parede gelada. Às vezes por uma pura necessidade de chorar. Às vezes pela necessidade de ser compreendida, de não me sentir mais tão sozinha e de ter sentimentos que pareciam tão difíceis de descrever, nasceu quando eu escutei esse álbum, que toca desde nas minhas inseguranças no que diz respeito à relacionamentos, até a minha relação com meu pai.
I Thought I Was An Alien é extremamente pessoal, Soko fala sobre machucados, sobre ser esquisita, sobre ter problemas que muitas vezes não são compreendidos, sobre cicatrizes que muitas vezes não podem ser vistas, embora estejam lá. E pode ser visto, muitas vezes, como um diário da minha adolescência.
Vivendo sempre com medo de embarcar em novos relacionamentos e novas paixões, insegura sobre o que o outro pode pensar de nós, eu sempre penso que da próxima vez posso renovar, posso fazer diferente, tentando até esconder uma essência própria, como se fosse um defeito. É sobre isso que I Just Wanna Make It New With You, a primeira música do álbum, é.
“Eu só quero compartilhar coisas novas
Novas histórias e novos beijos
Eu não quero repetir o que eu falhei antes
Eu só quero renovar com você
[…]
E você começará a achar que eu sou chata
Porque eu sou straight-edge desde que eu fiz 18 anos
Mas eu te escreverei canções só para provar que eu te amo
E eu espero que você não me odeie por isso”
Muitas vezes, temos a sorte e a felicidade de encontrar pessoas com as quais nos identificamos, nos encontramos nelas. Para mim, foi difícil encontrar minhas pessoas e por muito tempo, não me adequei nos ambientes que era obrigada a frequentar, sem ampliar horizontes. Me sentia um alien. Mas, como a própria música I Thought I Was An Alien diz, tudo bem se sentir um alien, quando há pessoas para serem aliens com você, porque assim você deixa de se sentir tão sozinha e o que acontece na sua volta, que te machuca e incomoda tanto, deixa de importar.
“Então você me olhou
Como se eu fosse uma aberração
Mas você disse que gosta de
Pessoas esquisitas
Então eu achei que você
Poderia gostar de mim um pouco
Nós nós conhecemos um dia
Quando eu pensei que fosse um alien
Eu te disse para conseguir uma fantasia
E dançar comigo
Como um alien
E você dançou”
People Always Look Better In The Sun e We Might Be Dead By Tomorrow são as músicas que eu entendo serem sobre enxergar as pessoas e a vida como algo sensível e palpável, que devem ser admirados e não passados por cima. Ignorando um conformismo quase condicionado e prezando por uma postura mais contemplativa e apreciativa de tudo.
“Dê-me todo o seu amor agora
Pois todos nós sabemos
Que podemos estar mortos amanhã
Eu não posso continuar perdendo meu tempo
Adicionando cicatrizes ao meu coração
Pois tudo que eu ouço é
Eu não estou pronto agora
[…]
Mas se você não está pronto para o amor
Como você pode estar pronto para a vida?
Como você pode estar pronto para a vida?
Então, vamos amar plenamente
Vamos amar alto
Vamos amar agora
Pois logo, logo morreremos”
For Marlon, para mim, é sobre o encontro — romântico ou não -, com pessoas machucadas, estando você mesmo machucado. Sobre querer cuidar dos outros e esquecer de você mesmo. Sobre cicatrizes que formam mais cicatrizes. É uma das músicas que mais me toca no álbum até hoje, porque ela toca e lembra. Pessoas, momentos, situações, pensamentos, reações, reflexos, sentimentos.
“Então eu me apaixono por você como uma tola por ouro
Porque você parece tão puro e eu amo sua voz
Eu consigo ouvir as rachaduras do seu jovem coração
E isso me faz querer ser
Uma parte disso
Até que eu disse
O que é aquilo no seu braço?
Você disse “não olhe, por favor, não pergunte”
Eu sei que você não vai gostar de saber que
Eu sou uma viciada em recuperação e, as vezes, tenho uma recaída
[…]
E eu lembro que você disse que comigo sentia
Como nunca se sentiu antes, antes
E eu acho que nenhuma droga consegue substituir
O calor e a ternura que nós abraçamos”
E por fim, preciso mencionar a música que, juntamente com a última, é a minha favorita e a mais importante para mim até os dias de hoje. É até difícil explicar o que ela foi para mim, eu só a sentia muito. Eu a via. Eu via meu pai ali, eu via minha relação com meu pai, sempre conturbada, mas que na adolescência me afetava muito, ali. Como um todo, a música pode ser o trecho de um diário que eu poderia ter escrito, então para essa, talvez seja melhor não citar nada, mas I’ve Been Too Long vai sempre ter um lugar especial guardado em mim.
Dizer que, em 2019, esse álbum me toca profundamente, seria mentira. Com o passar dos anos, eu cresci para fora disso, inevitavelmente. No entanto, escutar a coletânea e principalmente as músicas apontadas e citadas, foi um alento em muitos e muitos momentos durante o ensino médio e por isso, tenho um carinho enorme e talvez por isso muitos dos versos continuem a fazer sentido — embora eu não mais chore escutando -, adaptando-se a cada situação e momento da minha vida.