Túmulo da família Borges

EU PERDI A MINHA AVÓ.

Roberto De Brito Costa
Iandé
Published in
4 min readApr 30, 2019

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  • Minha avózinha

Foi neste ano de 2019, não foi a primeira vez que tive que passar por isso, mas da outra vez, dez anos atrás, quando eu tinha 14 anos, eu não era adulto, eu não tive que lidar com isso de verdade, todo mundo a minha volta estava lá para consolar. Dessa vez era cada um por si e todos sofrendo por um, a grande matriarca da família finalmente tinha conseguido o descanso que merece.

Por que chamo de descanso? Bom, a morte da minha avó significou muitas coisas para mim. Primeiramente, minha avó era espírita, o que, apesar de até então me identificar como ateu, sempre foi muito admirável, pois ela nunca teve medo da morte e isso tirou uma boa parte do peso de sentir por alguém que não está mais aqui. Fora o humor, que até no auge dos seus 92 anos e já perdendo as forças ao longo dos últimos dez, continuava intacto. Ela era uma pessoa leve, incrível, um pedaço de mim e de toda minha família, porém ela passou a levar uma vida que a pessoa mais incrível que eu já conheci não merecia levar. Ficar velho é ruim, mas ela nunca reclamou disso também, ela nunca reclamava de nada, só agradecia pelo que tinha. Mas e agora que ela morreu? O que ela tem? Nada? Acabou?

  • Enterro é bizarro.

Uma guerreira se foi e foi a última de seus irmãos e amigos a partir, por isso a decisão de não anfitriar um velório foi simples, apenas decidimos deixar a família se despedir, este momento era íntimo e era nosso, não cabia mais ninguém ali.

O instante em que tudo mudou foi quando vi o corpo, já sem vida, deitado na cama, assim como ela estava da última vez que a vi. Eram as roupas dela, o quarto dela, o corpo dela, mas não era ela. A mulher que ajudou a me criar e que sempre teve a presença tão marcante não estava mais ali, era só um corpo. Por isso hoje entendo a decisão de descartá-lo, isso nunca entrou direito na minha cabeça, afinal, enterros são bizarros. Quando vi um buraco na terra e as pás envolta, junto com as sacolas de lixo onde ficavam os restos mortais dos outros parentes enterrados ali (que tiveram que ser velados para que um novo caixão coubesse no túmulo), meu coração parou, mas por algum motivo logo depois ele voltou e eu não estava mais tão perturbado com aquilo.

Eu não sei de quem foi a ideia de um ritual tão agoniante. Quem acha que a idéia de colocar um ente querido embaixo da terra relaxante? Eu nunca, mas não foi isso que nós fizemos.

  • Nem missa. Nem de sétimo dia.

De longo o momento que mais odiei em todo esse processo, fora não ter minha avó, lógico: a missa de sétimo dia

Eu nunca gostei de igrejas. Não só por ser um homem gay e nunca ter visto este ambiente como algo acolhedor, mas eu também sempre tive medo, das imagens horrorosas de cristo morto (na minha opinião, entendo que para outros possa ser a coisa mais linda do universo), mas também dos sermões. Eu sempre relacionei religião a espiritualidade e este é um tema que sempre me assustou.

Pela primeira vez eu estava aberto, se minha avó era um espírito agora, eu não tinha mais medo de espíritos. Queria saber o que o padre poderia falar sobre isso. Foi uma grande decepção. Enorme. Eu nunca me identifiquei com os pensamentos católicos mas pensei que naquele momento algo poderia servir para mim. Nada serviu, o padre enfiou culpa goela abaixo das pessoas do começo ao fim, nada foi positivo, era tudo sobre se redimir e como você tinha feito tudo errado até então, aquela cerimônia não era sobre a minha avó, ela nem católica era e não faziam nem 7 dias que ela tinha morrido. A partir daquele dia só entro em igreja para casamento dos outros.

  • Não acabou

Se minha avó não estava mais alí no quarto dela quando morreu, se o corpo não enterramos não era ela. Então onde ela está? O que ela é? Foi isso que eu aprendi com a morte da minha avó: das religiões que conheço, nenhuma ainda me interessa, mas abandono hoje o título de ateu. Não acabou ali. A vida continua. Ela está em algum lugar.

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