Experiência Transviada

Catarina Forbes
Iandé
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5 min readApr 19, 2018

Por que nós vamos ao cinema? Por que gastamos nosso tempo e dinheiro para ir até um sala de exibição sendo que podemos assistir ao mesmo filme no conforto de nossas casas?

Porque o cinema é, antes de tudo, experiência. Buscamos nele uma troca, queremos nos emocionar, sentir, padecer de seus personagens, sua história e da mensagem que trazem: o cinema permite uma experiência estética puramente transcendental.

No começo desse ano, tive talvez a maior experiência cinematográfica que já vivi.

Foi na madrugada do dia 20 de janeiro, no Noitão Especial realizado pelo Caixa Belas Artes. O tradicional evento do cinema de rua consiste em uma maratona em duas salas de três filmes em sequência, sendo o último deles um filme surpresa. Tomando como tema a rebeldia, nessa edição era celebrada a pré-(re)estreia de “Acossado”, de Jean-Luc Godard, o que já me causou um interesse. No entanto, o que realmente me chamou a atenção foi o título que lhe foi atribuído: “Jovens Transviados”.

Sal Mineo, James Dean e Natalie Wood em uma cena do filme “Juventude Transviada” (1955)

Se há algo ou alguém que fez eu me apaixonar por cinema, o sujeito possui nome e sobrenome: James Dean. Foi me deparando com sua figura e sua obra que eu comecei a tratar filmes e o cinema de outra forma, a vê-los com um outro olhar, a buscar entendê-los, apreciá-los, e a propriamente ter a vontade de experienciá-los. Ao assistir seus três filmes pela primeira vez, mesmo que pela tela do meu computador, senti um nível de emoção que jamais se repetiu em igual intensidade com nenhum outro filme.

Portanto, ao me deparar com esse Noitão, não havia dúvidas de qual seria o filme surpresa. Eu tinha que assistir “Juventude Transviada” em uma tela de cinema. Eu tinha que ir. Chamei uma amiga para me fazer companhia, com uma ponta de esperança que ela também se apaixonasse pelo filme, e fui.

“Acossado” era claramente a razão pela qual uma multidão estava disposta a ir ao cinema às 23:30 de uma sexta-feira. Para mim, no entanto, a estrela da noite era outra. Nada contra o filme de Godard; aliás, pra quê ficar comparando filmes? Particularmente adoro “Acossado”, e reassisti-lo no cinema foi por si só uma experiência inesquecível; mas não vejo como é possível comparar a experiência de ver essa obra, por mais icônica que seja, com a de um filme que é tão emocionalmente significativo e importante para mim. Afinal, eu me dei foi muito bem: com a esperança de ver um de meus filmes favoritos, acabei vendo um dos filmes mais influentes do cinema, e, de brinde, “Jovens, Loucos e Rebeldes”, de Richard Linklater.

Quando este, que foi o segundo filme, acabou, permaneci imóvel na cadeira enquanto quase todos da sala saíam para ir ao banheiro, comprar pipoca ou só tomar um ar. Não queria perder um segundo que fosse do próximo filme, e nesse momento comecei a me perguntar se de fato “Juventude Transviada” seria o filme escolhido. Fiquei tensa, de modo a nem conseguir falar direito com minha amiga, que queria conversar sobre os filmes vistos até então. Os poucos minutos de intervalo pareciam horas, e só conseguia ficar vidrada na tela, esperando uma imagem aparecer ou qualquer anúncio que fosse. Foi então que o projecionista, em um erro bastante feliz, deixou escapar rapidamente um frame do emblemático filme de Nicholas Ray.

Com o maior sorriso do mundo, me ajeitei na cadeira e alertei minha amiga. “É agora”.

Pouco tempo depois, o logo da Warner Bros. apareceu na tela, emplacado pela trilha sonora incrível de Leonard Rosenman. O sorriso que eu tinha cresceu, e aumentou ainda mais quando alguns dos presentes começaram a aplaudir. Claro que fiz questão de acompanhá-los fervorosamente.

Cena inicial de “Juventude Transviada” (1955)

Mas foi quando James Dean apareceu na tela que a ficha caiu. Ou melhor, não caiu. A pessoa que literalmente me fez quem eu sou hoje, o meu ator preferido, morto há 65 anos, ali, na tela de um cinema, diante dos meus olhos. Eu não conseguia acreditar, aquilo não podia ser real. Um turbilhão começou a passar pela minha mente e me lembrei de quando eu tinha 13 anos e via pela primeira vez o mesmo filme na tela do meu computador, depois de muito esforço para conseguir baixá-lo, pouco me importando com a quantidade de vírus que acabei ganhando com o processo.

Eu posso tentar descrever como eu me senti nesse momento das mais variadas formas, mas nenhuma delas conseguiria de fato expressar o quão intensamente essa experiência me emocionou. Quando Dean apareceu na tela, seguido do letreiro com seu próprio nome e o título do longa, iniciei um choro que só amenizou na marca de uma hora de filme. A medida que ele decorria, com um permanente sorriso trêmulo e um rosto marcado por lágrimas, eu não sabia se ria ou se chorava, não sabia direito o que estava sentindo ou o que deveria sentir. Apenas sabia que eu estava sentindo.

A emoção foi tanta que cheguei até a me assustar comigo mesma. Ao mesmo tempo que me perguntava o por que de eu estar naquele estado, no fundo eu sabia bem qual era a resposta:

Porque afinal, isso é o viver uma experiência, e assim é o cinema. Pura emoção, sensação; e nada melhor do que a oportunidade de ver um dos filmes que me fez fazer cinema no cinema para me fazer, essencialmente, entender o que é essa tal da sétima arte: a máxima e transcendental experiência de uma catarse de emoções.

Ingresso do Noitão, o mais bem guardado da minha coleção

(PS: Minha amiga acabou dormindo no meio do filme. Mal ela sabe a experiência que perdeu.)

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