Fidelio: cinema no palco

Juana Moreira
Iandé
Published in
4 min readApr 17, 2018

O espetáculo que de início tinha a intenção de apenas apresentar um pouco do trabalho feito ao longo do ano, acabou levando o projeto de dança “Urban pro” a produzir algo muito mais complexo e relevante.

Urban Pro é o projeto do estudio anacã do qual faço parte, junto com outros bailarinos e quatro coreógrafos que, todas segundas, quartas e sextas feiras, se reunem para praticar o estilo do “jazz funk”. É voltado somente para profissionais que querem se especializar ou que querem ingressar esse mercado artístico. O curso vai muito além de aprender coreografias, possuímos um preparamento físico e realizamos atividades experimentais e teatrais ao longo do curso, a fim de aprofundar e agregar à expressão corporal e desempenho técnico.

No ano de 2017, as experiências vivenciadas no projeto resultaram na iniciativa de produzir uma apresentação de final de ano um pouco diferenciada. Em homenagem ao cineasta Stanley Kubrick, optamos por utilizar como tema e referência para o espetáculo, seu filme “De olhos bem fechados”, tanto pelo seu conteúdo crítico, quanto estético.

O filme tem uma abordagem sexual que pode ser muito comparada e desenvolvida pela prática da dança, que muitas vezes provoca um olhar preconceituoso. Também discute a questão do relacionamento, da fidelidade, das perversões e das concepções de prazer, criticando uma sociedade que vive das aparências e possui um comportamento hipócrita (motivo de uso de máscaras nos encontros secretos que o protagonista se aventura a comparecer no filme).

O espetáculo buscou traduzir algumas cenas do filme com a arte da dança e da interpretação cênica, mantendo sua intenção de crítica e peso emocional, por meio do uso de uma trilha sonora elaborada com os temas do filme e claro, da expressão corporal. O elenco possuiu por volta de 20 bailarinos e os ensaios começaram no mês de agosto.

A maior dificuldade no processo de criação foi tratar do tema do filme de forma esteticamente moderada e delicada, para que não repudiasse o publico, a interpretação e a coreografia não poderiam ser vulgares ou exageradas. Para isso, realizamos diversas dinâmicas e “imersões” tanto teatrais quanto de performance de atividade física como o uso do desgaste corporal ou estímulos que facilitassem a imaginação, para desenvolver as texturas dos movimentos de acordo com a musicalidade e a intenção da mensagem visual.

A análise do filme e as referências das cenas foram fundamentais para a incorporação do personagem. Além disso, visualmente, a composição coreográfica, os figurinos e a iluminação foram pontualmente planejados a fim de gerar a atmosfera necessária para os bailarinos e consequentemente fornecer uma experiência interessante e/ou prazerosa ao espectador.

O resultado final no palco, do ponto de vista da minha vivência como bailarina, foi uma síntese de toda a preparação em um só instante, e me passou a sensação de que naquela hora, no palco, estávamos teletransportados à um lugar completamente diferente de qualquer outro que já havíamos estado, emoções e sentimentos que não tinham sido sentidos antes em nenhum ensaio. É importante ressaltar que o público é um fator muito importante e influente na performance, mas antes disso, a conexão estabelecida entre os bailarinos, coreógrafos, interpretes e a entrega, confiança e dedicação ao trabalho e a vontade de realiza-lo da melhor forma possível, é o que torna possível a experiência substancial e única.

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