fragmentos

Luísa Guarnieri
Iandé
Published in
4 min readApr 19, 2018

por Luísa Prado Betti Guarnieri

Quando vamos ao cinema, geralmente saímos maravilhados. Seja com a história, com os personagens, com a estética, com a trilha sonora, ou com tudo ao mesmo tempo. Mas não reparamos que, no momento em que as luzes da sala se acendem, ainda estamos em um filme. Tudo o que roteiristas, diretores, fotógrafos e todos os envolvidos na criação de um filme colocaram na tela está aqui, a nossa volta.

Isso parece óbvio. Mas, ainda que seja óbvio, realmente reparamos nisso? Muitas vezes, é como se entre um filme e o outro nosso olhar para aquilo que nos fascina na tela grande desligasse. É tudo dia-a-dia. Deixamos de nos encantar com o que nos encanta no cinema. Mas está tudo a nossa volta, todos os dias: personagens extraordinários, situações impactantes, conversas significativas e cenários maravilhosos. Mas a gente não repara. Faz parte de vida, coisa boba.

Até que de repente… Pode ser em uma andada de 5 minutos entre a sua casa e a padaria. Pode ser no banco de trás de um táxi na madrugada depois de uma festa. Pode ser uma aula de dança, ou no escutar atento de uma história de um amigo. Mas acontece: entre uma palavra e outra ou entre uma e outra piscada de luz neon, vem uma sensação diferente. Queremos falar sobre aquilo. Queremos contar essa história, gravar as imagens daquele pequeno instante do nosso dia a dia. Queremos colocar na tela grande. E é ai que percebemos que, realmente, estamos cercados de cinema.

A tal foto feita da mulher na janela.

Lembro de uma vez que estava andando no shopping com a minha mãe e percebi que as enormes paredes de vidro do lugar davam vista para as janelas de um escritório. Uma única janela estava acesa e uma mulher trabalhava lá, sozinha, na noite de uma sexta. Tinha algo de tão interessante não só naquela mulher, mas no fato de eu estar lá, observando ela de longe, sob a moldura de uma janela. Tirei uma foto do momento com meu celular. Fiquei com isso na cabeça por um tempo e comecei a reparar mais e mais em vistas de pessoas em janelas através de outras janelas — coisa que, ironicamente, não estou acostumada, já que moro em casa e o máximo que dá pra ver da minha janela é… meu quintal. Tempos depois, voltei para essa inquietação surgida naquele rápido instante em um projeto para a faculdade, onde filmei e juntei várias cenas ocorrendo em janelas reais. A foto feita naquela hora está reproduzida acima, e, abaixo, um frame do vídeo feito a partir dessa ideia.

Imagem do vídeo feito a partir da imagem da mulher pela janela.

E aconteceu de novo. Dias atrás, voltando de uma pizzaria com meu pai, passamos por uma avenida lotada de hotéis e motéis. Cada um exibia luminosos em neon mais chamativos que o outro. Encantada, fiz algumas fotos daquilo que a velocidade do carro e suas raras paradas em farol me permitiram. Essa estética tão específica dos motéis está na minha cabeça desde então, me trazendo a vontade de ambientar um filme em um lugar assim.

As vezes, com a quantidade de trabalhos e roteiros e projetos reclamo o quão difícil, é, pra mim, ter ideias. Esse tem sido tema recorrente das minhas crises. Mas percebo que, quando eu menos espero, no trajeto mais absurdo, na bate papo mais furado, está ali tudo que eu quero contar, produzir. Todos os instantes que quero guardar.

É importante nos deixar fascinar não só pelas coisas já prontas, na tela, esperando para nos arrancar as mais diversas emoções, mas também por tudo que floresce em nosso dia, esperando ser colhido. Se no cinema o sentido está na sequência contínua de significados, na vida temos pequenos fragmentos que precisam ser percebidos, interpretados e aprofundados. Talvez venha daí meu encanto por janelas. Elas também são fragmentos, partes de um todo ao qual não tenho acesso e que aguça a minha imaginação e me inspira a criar. Seja através de uma janela de um apartamento, de um carro ou até a janela metafórica de um celular. Poder usar essa matéria prima tão próxima e diária e dela criar algo capaz de mover, motivar e fascinar. É sobre isso que quero falar.

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