A casca inútil das horas

Bianca Helen
Iandé
Published in
4 min readOct 17, 2017

O tempo se assemelha a uma montanha-russa de emoções e fazer 20 anos é o momento em que o carrinho começa a descer e o medo se faz presente.

Bianca Helen — 2017

“Quando os adultos dizem: ‘os adolescentes se acham invencíveis’, com aquele sorriso malicioso e idiota estampado na cara, eles não sabem quanto estão certos. Não devemos perder a esperança, pois jamais seremos irremediavelmente feridos. Pensamos que somos invencíveis porque realmente somos. (…) Os adultos se esquecem disso quando envelhecem. Ficam com medo de perder e de fracassar.”

Esse trecho do livro “Quem é você, Alasca?” exemplifica o modo como os adolescentes se sentem. Eles se acham invencíveis, imunes a todas as coisas ruins da vida. Todas as tragédias que vemos na mídia, todas as doenças da pós-modernidade — depressão e ansiedade -, todas as crises morais e de identidade.

Até que se chega aos vinte anos. E a vida bate. E forte. Porque os vinte anos, trazem consigo, o peso da vida adulta. É preciso pagar as contas, tirar boas notas na faculdade, trabalhar mais de 8h por dia — enquanto se sente pressionado a ter uma vida saudável regada a exercícios físicos e alimentação balanceada -, passear com o cachorro e se mostrar conectado com os últimos acontecimentos do mundo e do país. Para quem sabe, poder discutir sobre política via Facebook. Mal sobra tempo para escrever ou dormir.
Os relacionamentos têm sido tão rasos e efêmeros quanto às relações que criamos na rede mundial de computadores. Mas como diz Zygmunt Bauman em seu livro “Amor Líquido”: “Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar.”

A ideia de que aos vinte e poucos anos, devemos ser bem sucedidos e decididos em relação à vida, é algo que está incrustado na cabeça dessa nova geração. O ideal de sucesso surreal que tentamos seguir acaba gerando crises de identidade e ansiedade, pois agora já não basta subir os degraus um a um com calma e leveza, nós desejamos vitórias cada vez maiores.

A marca da nossa geração é, sem dúvida, a comparação. Confrontamo-nos diariamente, nos baseando na imagem que temos de outro indivíduo. Comparamos os nossos feitos com os de outras pessoas da nossa idade e vemos youtubers ganhando milhões aos dezessete, blogueiras e cantoras famosas aos vinte e astros de rock aos vinte e um. E aí, olhamos para a nossa vida comum e nos sentimentos inferiores. O fato é que não analisamos o caminho ou os privilégios que essas pessoas tiveram em seu caminho, analisamos apenas o resultado que nos é mostrado através das redes sociais. Marina Melz em seu texto “A geração que tudo idealiza e nada realiza” diz: “Somos a geração que se mostra feliz no Instagram e soma pageviews em sites sobre as frustrações e expectativas de não saber lidar com o tempo, de não ter certeza sobre nada. Somos aqueles que escondem os aplicativos de meditação numa pasta do celular porque o chefe quer mesmo é saber de produtividade.”

Criamos ideais de futuro imediato que na maioria das vezes, são intangíveis: Quer-se estabilidade emocional e financeira, uma carreira de sucesso, viagens intermináveis, um relacionamento amoroso perfeito, um apartamento decorado com um carro na garagem e muita comida na geladeira. Além de vizinhos legais e um cachorro fofinho. Tudo isso, aos vinte e poucos anos.
Essa pressa que estamos exercendo constantemente, nos torna figurantes da nossa própria história, nos rouba amores, os sonhos e o nosso tão esperado “final feliz”.

E nessa na ânsia de se encaixar em um estereótipo inalcançável, vamos adiando nossos reais desejos, e quando se vê, o bonde já passou, o relógio já marcou 00:00 e você perdeu o timing, perdeu o charme.
Piscamos os olhos e já é Segunda-Feira, já é Natal, já é Páscoa, já é quase tarde demais para insistir no que quer que seja. Num piscar de olhos, o tempo se esvai.

De vez em quando, a gente esquece, mas todos os dias nos pertencem e de todas as coisas com as quais podemos preenchê-los, existe mesmo alguma que seja mais importante do que insistir? Insistir nos nossos sonhos, nos nossos amores, na nossa felicidade.

Como escreveu Mario Quintana em seu poema “O tempo”:
“Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas…
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo…
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.”

O tempo se assemelha a uma montanha-russa de emoções e fazer 20 anos é o momento em que o carrinho começa a descer e o medo se faz presente. Mas como em toda montanha-russa sente-se medo, adrenalina e felicidade — uma sensação seguida da outra -. Quer-se que aquele caminho difícil passe logo, para chegar ao objetivo final, mas ao mesmo tempo não queremos que esse ciclo se encerre.

Então, aproveite o trajeto da melhor forma possível, e mesmo com seus altos e baixos, encare tudo de peito aberto e espere pelos golpes que a vida te dará. Com sorte, eles matam essa crise de identidade.

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