Iceberg
Às vezes, apenas o que vemos não compreende a totalidade das coisas. Tal qual os icebergs são enormes pedras de gelo das quais só podemos ver 10% acima da superfície, há muito mais nas pessoas do que podemos ver.
A obra foi realizada com a técnica de desenho em folha sulfite A3. De um lado, um desenho a nanquim de um corpo humano (uma garota ajoelhada) ocupa um pequeno espaço da folha. Do outro lado, um desenho colorido com lápis de cor que ocupa grande espaço da folha, inclusive o espaço correspondente ao desenho da menina. O desenho colorido retrata a fusão do corpo da menina com a estrutura de uma planta; e esta figura está ligada a figura de um coração, cujas veias e artérias se transformam em galhos e as arteríolas em raízes.
A intenção de desenhar nos dois lados do papel era impossibilitar a visualização dos dois desenhos ao mesmo tempo. Ou melhor, seria impossibilitar a visualização, se não fosse pela janela.
A janela é um elemento fundamental na proposta da obra, pois ela é o suporte do desenho. Ao fixar o desenho na janela — com o lado colorido voltado para fora e o desenho em nanquim, para dentro — a luminosidade do ambiente externo que atravessa a janela revela o desenho virado para o lado de fora (o colorido), permitindo a quem esteja no interior do ambiente visualizar ambos os desenhos. Contudo, por mais iluminado que esteja o ambiente externo, o desenho colorido não se revela em sua opacidade máxima. Mais importante, ainda, é o fato de a luminosidade externa ser inconstante, o que, por consequência, torna inconstante a opacidade do desenho voltado para fora.
A ideia da obra é criar uma analogia com o processo de conhecer alguém e de se deixar ser conhecido. “Conhecer” não apenas no sentido de “apresentar-se”, mas também no sentido de compreender alguém, de conhecer sua verdadeira essência. Ao primeiro contato com alguém, percebemos a sua aparência, o seu físico e fazemos deduções sobre o que vemos. A primeira impressão do outro para conosco passa pelo mesmo processo. Porém, é comum e equivocado acreditar que a essência de alguém possa ser completamente revelada neste primeiro momento; a única coisa identificável é a nossa casca, nosso contorno de nanquim. E, claro, é possível tirar alguma impressão apenas observando os traços dos outros, mas não devemos nos enganar de que isso basta para definir alguém. É apenas a pontinha do iceberg. Há muito mais a ser revelado conforme dedicamos tempo na companhia de alguém.
“Tempo” é a palavra-chave, pois assim como a luminosidade do ambiente externo é inconstante, o ser humano também o é, e o acaso dos acontecimentos vai revelando pouco a pouco, com o tempo, a essência das pessoas. E do mesmo modo que o desenho colorido não pode ser visto em sua opacidade total, a nossa essência não pode ser conhecida plenamente; pode ser retratada, mas não definida.
Com o advento da tecnologia e das redes sociais, as pessoas estão cada vez menos interessadas em esforçar-se para conhecer umas às outras. É muito mais fácil criar um perfil online e, na necessidade de falar com alguém pessoalmente, apresentar-se usando as mesmas informações desse perfil. Trata-se de uma autodefinição convencional que poupa o trabalho de refletir sobre si mesmo e sobre os outros. O compartilhamento de perfis, seja verbalmente, seja online, substitui o real processo de conhecer e ser conhecido.
A recorrência da total falta de esforço no processo em questão é extremamente intrigante para mim. Por essa razão, a experiência da busca por conhecer a essência do outro motivou-me a provocar essa reflexão através do jogo de opacidade dessa obra.