Janelas indiscretas

Joao Pedro
Iandé
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2 min readApr 25, 2020

Em 2015, ouvi um professor de geografia dizer que teve vontade de jogar óleo quente da janela. Perguntei por que, respondeu “pra queimar os coxinhas”, ele estava se referindo aos manifestantes que protestavam contra sabe se lá o que vestindo camisetas da CBF, entidade de futebol fortemente envolvida em escândalos de corrupção. Inicialmente achei essa expressão grosseira, como se a única causa justa a se protestar fosse a de sua concordância. Entretanto minha percepção começou a mudar quando me deparei com algumas placas que esses manifestantes/salgadinhos levantavam, eram desejos muito ruins a meu ver, “quero voltar pra Disney” era o nível de dificuldade que essas pessoas estavam passando. Logo imaginei que cedo ou tarde veria uma placa escrito “Fora PT, quero comprar outra Mercedes”.

todo dia manifestantes vão à suas janelas bater panelas e gritar em protesto

Pouco tempo depois, uma coisa me surpreendeu ainda mais, logo ao chegar da escola ouço um forte som vindo de fora, eram panelas, durante um pronunciamento da então presidente Dilma a população fez o primeiro panelaço, mesmo que inicialmente esse tipo de protesto tenha sido muito menosprezado e visto com um certo sarcasmo eu via aquela movimentação uma maneira mais elegante de se manifestar, não é violento, não para o trânsito e não submete as pessoas ao constrangimento de ir ao protesto com uma babá a tira colo empurrando um carrinho com seu próprio filho, ninguém consegue segurar uma placa com dizeres “ devolva meu dólar” e ao mesmo tempo carregar uma criança.

Depois veio o impeachment, novas panelas, mas dessa vez era em concordância com o que se passava no país, infelizmente em um dia que seria pra ser de profunda tristeza, um processo doloroso que expôs o horror que ocupava o parlamento brasileiro. Parecia que mesmo que erroneamente uma paz voltou a pairar o Brasil.

Mas é claro que paz que começa errado não termina bem, esse ano os protestos voltaram, e está cada vez mais impactante ver o crescimento do pensamento cívico brasileiro. Desde o dia 19 de março que novos protestos voltam a fazer parte da rotina dos cidadãos que agora são obrigados a ficarem em casa devido a pandemia, evidentemente só aqueles que tem o mínimo de respeito pelas pessoas. E a cada dia que passa os protestos são intensificados.

Mesmo que uma democracia jovem e com uma população polarizada é impactante ver como as manifestações estão tomando uma face mais adulta, com o constante acompanhamento do debate público, e por isso essa era será tão marcante na história do Brasil. E hoje é lindo ver que as mesmas panelas que soaram naquela noite de 2015 voltem a badalar para denunciar crimes que assolam o país.

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