Lavando a alma

Gabriel Saicali
Iandé
Published in
5 min readNov 8, 2019

A minha experiência estética se trata de uma viagem que fiz esse não, mas foi uma viagem especial que transformou meu sentimento de luto para paz. Essa viagem foi feita por mim e meu irmão. Meu irmão que tem 33 anos de idade, sim temos uma diferença de idade muito alta, mas sempre fomos companheiros para tudo, como por exemplo, desde ensinar o primeiro palavrão até andar de bicicleta de São Paulo para Campos do Jordão atualmente, sendo uma relação de companheirismo entre irmãos.

Eu e meu irmão sempre viajamos pelo Brasil em busca de novas trilhas, cachoeiras, aventuras, natureza em geral, por que sempre que temos a chance de sair dessa selva de pedra que se chama São Paulo, saímos. Só que essa viagem em especial seria diferente, não teríamos a mesma energia que temos normalmente. Apenas duas semanas antes da nossa viagem, nosso avô faleceu deixando todos da família sem chão, porque nosso avô foi sempre a pessoa que levantava a negrita do lugar que estava sempre sorrindo, brincando, ensinando coisas novas e foi ele que criou/despertou esse apetite por aventuras. Meu irmão foi o que mais sentiu, pelo fato dele ser o mais velhos dos três irmãos (temos uma irmã do meio), então essa viagem não seria igual as outras, partimos do mesmo jeito.

Nossa viagem foi para Chapada Diamantina — BA, a 1.800 km de Salvador, sua capital. Escolhemos esse lugar pelas razões que nosso avô sempre nos ensinou a preservar mais, no caso o contato com a natureza, nosso lado humano e aventureiro. Um pouco da história sobre a Chapada Diamantina, que assim como aconteceu na história do Brasil, os primeiros habitantes da Chapada Diamantina foram os índios, seguidos pelos portugueses, especialmente, e os africanos. Da agropecuária ao garimpo, a região se destacou na economia nacional, contribuindo, inclusive, com importantes obras estrangeiras. A Chapada vai sendo povoada, gradativamente, por criadores de gado e produtores de café, ao lado de comunidades quilombolas (refúgio de escravos). Com a descoberta de ouro e diamante, o ciclo do garimpo se inicia. Nessa época pomposa, é construída a Estrada Real entre a Chapada Norte e Sul, de Jacobina a Rio de Contas. O lugar foi a rota oficial para transportar o ouro até a capital baiana e, de lá, aos mares estrangeiros. A produção aurífera diminui, mas é o começo da exploração de diamantes que traz um novo movimento à região, com a presença de negociadores europeus. A exploração da pedra se expande de Mucugê para outras localidades, a exemplo de Andaraí, Lençóis, Igatu e Morro do Chapéu, definindo o lugar que passou a se chamar Chapada Diamantina, em alusão à abundância do mineral.

Na Chapada tem diversos pontos turísticos, como por exemplo, O morro do Pai Inácio, Gruta Azul, Vale do Capão e entre outros, mas o que mais tocou eu e meu irmão foi a Cachoeira Dos Mosquitos, que além de coincidentemente estava sem nenhum outro turista além de nós, o que foi prazeroso porque alguns pontos estavam sempre com muita gente, tirando o ar de natureza porque turistas normalmente (além dos brasileiros tinha os estrangeiro) querem mais ver a paisagem do lugar pela tela do celular do que com os próprios olhos… que para mim é onde ficam os melhores retratos.

Fomos até o Mosquito, trilhas e mais trilhas que duram 3 horas, e durante esse caminho inteiro eu estava só pensando no meu avô, porque antes éramos em três e agora só dois, eu ficava com o sentimento de que meu avô estava ali com a gente, mas não sabia se isso que estava passando por mim era apenas uma saudade ou um luto recente. Quando acabamos a trilha, a cachoeira era a coisa mais linda do mundo, estava com muita água e isso era difícil, porque o guia que estava com a gente nos disse que em épocas de pouca chuva a cachoeira fica como pouca água e às vezes até sem nenhum, o que desanimaria qualquer turista que fosse para vê-la.

Foi aí que a sorte começou a mudar, a cachoeira cheia de água, que como uma pessoa que surfa desde criança (mais uma coisa que meu avô me ensinou) então me tornei uma pessoa apaixonada por água, desde piscina até mar, e toda aquela águas caindo, seu barulho batendo nas pedras já começou a me fazer bem, mas ainda estava com o sentimento de que faltava algo, meu avô com a gente. Chegou uma hora que sentei sozinho em uma pedra no meio da cachoeira e meditei, tentei colocar paz um pouco para dentro de mim, só que de repente quando estava tentando chegar no meu nirvana, eu escutei a voz do meu avô embaixo da cachoeira e não pude acreditar no que estava acontecendo, na minha cabeça meus sentidos estavam me enganado. Eu só pude escutar a voz dele, não vê-la, mas sim sua voz me dizendo para ficar calmo que ele estava bem e que tudo vai dar certo e que não posso ter medo de errar, que tudo vem ao seu tempo.

Contei ao meu irmão o que acabara de acontecer e o mais estranho de tudo foi que meus irmão disse que sentiu a presença do meu avô também. Aquilo que aconteceu naquela cachoeira mudou o curso da viagem, o desânimo que tínhamos quando chegamos na Bahia foi embora, o sentimento de luto que seria o pior de todos, um sentimento que no meu caso é muito difícil de lidar, tinha se esgotado. Aquela frase, “vai ficar tudo bem…” me trouxe paz, alívio, foi uma experiência que tocou literalmente na minha alma e que nunca irei esquecer, igual meu avô. A gente se sentiu livre. Com mais energia do que nunca, o espírito aventureiro que nosso avô tinha nos dados desde criança havia voltado aos nossos corações. Nunca tive uma experiência como essa que trouxesse tanta paz na minhas vida como essa.

Cheguemos de volta a São Paulo, a primeira coisa que fiz foi chegar a minha avó e contar o que havia acontecido, e mais uma vez fui pego de surpresa pelo choro dela. Me perguntei se eram lágrimas de alegria ou tristeza, perguntei e a sua resposta foi: “agora sim seu avô está em paz, porque o que ele menos queria era seus netos de luto por ele, vai ficar tudo bem”, e mais uma vez esse “tudo bem” apareceu me tranquilizando. Agora todas as cachoeiras, lagos, natureza, praia que eu vejo e conheço por aí me fazem lembra-lo, e de uma coisa eu tenho certeza, ele estará sempre comigo e não será uma morte que vai nos separar. Agora me sinto confortável/livre para viver sem medo, como meu avô me ensinou.

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