Lembranças de uma tarde fotografada

Daniel Parente
Iandé
Published in
3 min readNov 15, 2021
A visão de cima do Cerro Lambaré.

Aqui pretendo contar uma experiência estética que tive no Paraguai no ano 2019. Não sei explicar exatamente porque a minha lembrança desse dia em específico permaneceu na minha memória. Era um final de semana qualquer, e estava quente e ensolarado. Apesar do calor, o tempo estava agradável, e eu e minha mãe decidimos sair de casa para variar um pouco a rotina. Aproveitei o momento e decidi levar minha câmera fotográfica. Sem grandes intenções, saímos de carro pela cidade para ver o que tinha para fazer. As ruas estavam vazias, pois ninguém costumava sair pela rua naquelas horas mais quentes da tarde. Foi aí que tive a ideia de ir para o Cerro Lambaré, uma pequena montanha ou morro ao sul de Asunción. Já fazia um tempo que queria conhecer o lugar, e achei o momento oportuno, já que levei a câmera e tínhamos bastante tempo.

O Cerro Lambaré, situado entre o Rio Paraguai e a cidade de Lambaré, tinha um monumento aos índios caciques no topo do morro. Apesar de ser um lugar turístico, era relativamente vazio. As pessoas da cidade subiam o morro para apreciar a vista lá de cima enquanto tomavam Tereré juntos. Sendo uma região extremamente úmida, era comum ver o Rio Paraguai alagando bairros inteiros, como acontecia com a pequena cidade de Lambaré nessa época. Nos últimos anos, o rio tem aumentado cada vez mais do esperado, o que sempre resulta numa grande quantidade de pessoas perdendo suas casas.

Menino tomando banho ao a livre (esquerda) , Família desalojada pelo Rio Paraguai (direita).

Na base e envolta do Cerro, estavam erguidos vários alojamentos temporários, onde os moradores da cidade estavam vivendo. Ao observar a situação dessas pessoas diante de uma natureza severa e sem piedade, pensei sobre como, ao mesmo tempo que temos a capacidade de manipular o mundo com as ferramentas e as tecnologias, somos totalmente sujeitos ao meio ambiente.

A minha tarde fotografando esse lugar me marcou por várias razões. Por um lado, foi só um passeio, mas por outro, foi um exercício de registro. A natureza, as pessoas refugiadas, aquele lugar, foram cristalizadas não só na minha memória, mas nas próprias fotos que tirei. O meu papel como fotógrafo me fez enxergar o lugar através de outra lente. Todos os dias, temos experiências passageiras, e raramente olhamos à nossa volta com a intenção de captar e lembrar aquilo tudo, mas a fotografia abre um espaço para a contemplação e nos permite imortalizar um instante no tempo. Por um lado, você está presente naquele lugar, vivenciando aquilo nos seus sentidos, mas por outro lado, sua mente se preocupa em registrar pequenos instantes através da luz. O conjunto de fotos me traz uma sensação de fragilidade, não só da natureza, mas do próprio ser humano também.

Bairro e quadra de futebol alagados (esquerda), Borboleta do Cerro (direita).
Auto-retrato daquele dia.

O ato de fotografar pode ser uma experiência estética que transcende apenas a memória.

A experiência vivida assume certa imutabilidade ao ser capturado pela luz, e isso possibilita a exploração de novos significados mais profundos para aquela experiência.

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