Meu auto retrato
Flávia Queiroz Pimentel
A ideia de fazer um auto retrato, à primeira vista, me pareceu vir de forma espontânea. Passei o dia com uma vontade incomum de desenhar que supri parcialmente com uns rabiscos que fiz em meu caderno. Sempre que desenho sinto que o faço na esperança de um dia criar gosto pelo hobby, pois mesmo quando vejo qualidade no traço, nunca me satisfaço com meus desenhos, sinto-os vazios e sem expressão. No entanto, acho incrível a liberdade que se tem com um pedaço de papel e uma caneta, a possibilidade de expressar-se visualmente a partir da mente humana. Invejo de um jeito positivo a habilidade dos bons desenhistas de transformar todos os seus pensamentos e sentimentos mais abstratos em coisas palpável aos outros através da imagem.
Não muito tempo antes de eu fazer o autorretrato, uma amiga (Marcela Montellato) desenhou a mim e a alguns outros amigos nossos. Foi a primeira vez que me vi em desenho e senti que ele era mais real do que eu. Ele tinha um ar meio invencível que impunha respeito, um olhar desafiador. Fiquei intimidade com aquele meu eu em papel. Ao mesmo tempo, senti como se tivesse conquistado um novo universo, como se o meu eu de uma realidade paralela tivesse finalmente se encontrado comigo. Talvez essa tenha sido a experiência que mais me aproximou de saber qual a visão que os outros tem de mim. Quem sabe?
O desenho me deu um gosto do eterno, como se a partir de então haveria eu e um backup meu. Senti compreender o ímpeto por trás das pinturas de retrato da realeza, o gosto que se tem em ser retratado, de coexistir em vida e em tela.
Além disso, no dia anterior ao que me propus a fazer o auto retrato, havia participado de uma conversa em que discutimos a diferença entre amor próprio e narcisismo. Seriam a mesma coisa com a única diferença de que ao narcisismo era injustamente atribuído um caráter negativo? Narcisismo seria uma obsessão com a própria imagem que não necessariamente significaria gosto por si e que pelo contrário do que pode-se imaginar, estaria muitas vezes associado à insegurança e baixa autoestima? Não me recordo a qual conclusão chegamos, mas fiquei refletindo sobre o assunto.
Com isso, decidi desenhar a mim mesma por uma conjuntura de fatores: a vontade rara que me viera de desenhar algo, a sensação nova que tive ao ser desenhada pela Marcela, um desafio pessoal (motivo de caráter um pouco mais técnico) e por achar que eu merecia essa homenagem. Já havia desenhado 3 pessoas antes e, analisando minha proximidade com elas, percebi que seus valores em minha vida seriam passageiros, mas que num auto retrato não corria o mesmo risco. Não haveria um momento sequer em minha vida que eu estaria em segundo plano, portanto devia a mim mesma esse agrado.
Fiz o retrato me olhando no espelho, tendo ao meu dispor uma lapiseira de 0,5 mm e uma borracha. Queria saber informar precisamente quanto tempo levei para fazê-lo, mas não me recordo, posso apenas oferecer um intervalo aproximado de 1 à 4 horas ininterruptas de desenho. Escolhi uma posição desconfortável para fazê-lo, deitada de bruços na cama, o que quase me obrigou a interrompê-lo no meio por causa da dor nas costas que a posição me causara. Quando concluí não sabia dizer se tinha gostado ou não do resultado, fiquei incomodada com algo e o que parecia me angustiar ainda mais era não conseguir identificar o que me desagradava. Agora já gosto dele, embora identifique alguns erros marcantes na distância entre os elementos do meu rosto e em suas formas. No entanto, diferentemente do desenho da Marcela, que parecia mais verdadeiro do que eu mesma, o meu me parece morto, como todos os outros que faço. Sinto que ele é menos do que eu sou e contrariamente ao que pretendia, não expandi através dele a minha existência no universo do bidimensional. Eu simplesmente fiz um auto retrato.
