Não tão primeira música
Arthur de Souza Assumpção
Em certa viagem com meus pais, cujo ambiente sempre foi preenchido por músicas que eles gostassem, observava pela janela o que estávamos atravessando. Os CD’s escolhidos eram sempre os mesmos, o que não me incomodava de forma alguma, mas fazia destes momentos previsíveis, meu gosto musical provavelmente deriva de grande parte dos estilos ouvidos por eles.
Mas nesta viagem, após um tempo lidando com o tédio e a espera, comecei a perceber que não conhecia a música que tocava, e nem a entendia, parecia diferente de qualquer outra que conhecesse, não se repetiam trechos, portanto não havia refrão, não se definia um ritmo, portanto eu não o batucava, alguns instrumentos, cujo som não reconhecia, apareciam subitamente. Quando percebi que ninguém a cantava, não havia uma letra, e apenas os instrumentos dominavam aquela harmonia, cheguei a conclusão de que ela também estava no ar há muito tempo, não tinha a mesma duração de uma canção comum de quatro minutos.
Aquela música não parecia ordenada, estava sempre mudando quais instrumentos se destacavam, estes, realçados as vezes por um solo, pareciam individuais, como se uns gritassem com os outros e tudo, de alguma forma, fizesse sentido. Aquela discussão entre personagens em que todos pareciam virtuosos, amando se odiar e atropelar uns aos outros.
E não acabava, não sabia dizer se minha falta de atenção estava perdendo a transição de músicas, ou se o excesso que desorientava minha noção do tempo. Até que um único saxofone, som que reconheço hoje mas que naquele momento me era completamente incomum, tocou sozinho, este começou acelerado mas foi entristecendo, me fez crer no final da música, quando, de repente, entrou a bateria acelerando novamente, e outros instrumentos começaram a voltar também.
Não sabia se perguntava aos meus pais o que estava tocando, não queria que minha voz, ou a detalhada explicação deles, interrompesse o que ouvia. Passei a torcer para que ninguém falasse nada, e percebi que já não mais prestava atenção na música, voltei.
Hoje em dia não me lembro qual o destino desta viagem, e nunca soube a música, por vez ou outra ao longo de minha vida acreditei ter reconhecido algum trecho dela em outra, mas escutando mais tempo descartava a possibilidade. Vivo com alguma certeza de que está foi a primeira música que conheci, apesar de saber que não é verdade, talvez nem tenha acontecido.
